sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Quem se lembra do caso Eloá?

Sem querer requentar matérias frias, mas acho que ainda vale replicar aqui texto do Ombudsman da Folha de S.Paulo criticando a cobertura sobre o caso Eloá.

Esta postagem complementa a que publiquei em 23/10/2008, com o título de "Com respeito a dor dos outros".



"Quem se lembra do caso Isabella?
Copyright Folha de S.Paulo - São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

A COBERTURA do caso Eloá em Santo André pela Folha foi acanhada, acrítica e burocrática.
O jornal tem todo o direito de decidir apenas registrar casos policiais como este. Pelo meu gosto, é exatamente o que deveria fazer.
Mas, se resolve que um crime é importante, ou investe e faz a coisa direito ou sofre pelo trabalho malfeito.
Por dez dias, o episódio constou da primeira página, sete com foto. É claro que era prioritário para a Redação.
Mas até sábado, o espaço para o noticiário foi pequeno e, mesmo depois, o esforço foi inconstante: alguns dos melhores repórteres entraram e saíram; a maior parte das retrancas era de declarações públicas e fatos já noticiados pela mídia eletrônica.
Faltou espírito crítico. Registraram-se opiniões contrárias à volta da amiga da namorada ao cativeiro desde o primeiro dia, mas de modo geral em tom ameno. Faltou "vontade editorial".
As versões da polícia ganharam sempre mais destaque, a ponto de na terça-feira o perfil de um dos negociadores o retratar quase como herói. É justo mostrar o lado dos policiais e realçar seus aspectos positivos. Mas elegias numa operação que claramente fracassou são inadequadas.O jornal foi burocrático ao acompanhar a tragédia. Limitou-se quase sempre a dar informação bruta, que o leitor provavelmente já havia recebido pelo rádio ou TV. Houve pouca análise, interpretação, informação exclusiva.
Meu antecessor Mário Vitor Santos em artigo para a revista "MSG" lembra que "o bom teatro lida com os instintos mais básicos da platéia, mas também suscita reflexões sobre a natureza profunda do ser".

Não se pode exigir que jornalistas sejam Shakespeares. Mas eles bem podem jogar luzes sobre desgraças como esta, oferecer visões psicanalíticas, sociológicas, promover o debate sobre políticas e instituições públicas envolvidas (da polícia aos conselhos tutelares, do governo à mídia).
Se o jornal resolve que o crime é importante, ou investe, com espírito crítico, e faz a coisa direito ou sofre as conseqüências do trabalho malfeito
Da mídia, por exemplo, este jornal só começou a tratar na terça-feira. E modestamente. Muitos leitores escreveram para se queixar dela.De fato, os meios de comunicação ajudaram muito para criar esses infortúnios: ao tornarem o assassino uma celebridade, interferirem na ação das autoridades, transformarem o drama em circo e incentivarem a curiosidade mórbida do público, que impediu a família até de se despedir em paz da vítima.
Mas isso não é exclusividade nem do Brasil nem destes tempos. Talvez seja inevitável. Ocorre em todos os países. Veja-se o caso do pai que aprisionou a filha na Áustria.
E em todos os tempos. A revista "O Cruzeiro" tratou o caso Aída Curi, há 50 anos, com tons de sensacionalismo que fazem o jornalismo atual parecer sóbrio.
Mesmo sem mídia, o prazer doentio de ver detalhes de tragédias emerge a toda hora. Quem já não testemunhou dezenas de motoristas reduzirem a velocidade para olhar o motoqueiro caído na rua?

O ser humano é assim. O que não impede que se tente melhorar."

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