domingo, 29 de março de 2009

O tubo é minha suíte


Eu considero o surf um dos melhores esportes. Quisera eu ser valente e habilidoso o bastante para encarar as grandes ondas. Na adolescência, sequer consegui ficar em pé sobre uma prancha e o máximo que fiz foi descer umas marolas lulescas com uma prancha de body board. Também acho bacana o estilo de vida associado ao esporte, aquela coisa de acordar cedo para ver se o mar está flat ou se tem ondas quebrando, passar o dia n’água, o contato intenso com a natureza, a mistura de prazer e receio, o desafio, a adrenalina etc. Além disso, o surf sempre rendeu boa parceria com a música.

Dito isso, comprei um combo mega duplo de pipoca e Coca-cola e fui para a minha sessão da tarde: o documentário Surf Adventures 2. Cinema cheio, com platéia visivelmente formada por iniciados, iniciantes e marias prancha.

No filme, um grupo de surfistas brasileiros, em sua maioria da nova geração, percorre continentes em busca dos melhores picos: vão ao Peru, ao México, ao Chile, à Austrália e ao Taiti. E também surfam no Rio de Janeiro e na pororoca do Rio Araguaia, no Amapá, ao mesmo tempo fascinante com sua longa duração e assustadora com seu ruído e sua água escura. A onda perfeita quando se está sobre ela olhando o rio liso a sua frente. E apavorante quando se cai da prancha e não se vê mais nada.

O documentário era para ser assistido como um grande vídeo-clipe ou um programa do National Geographic ou Discovery Channel. As tomadas aquáticas e as paisagens mostradas são belíssimas. Lugares incríveis, ondas excepcionais. Mas neste segundo filme, erraram a mão. A trilha sonora não é das melhores, salvando-se uns solos de guitarra e duas do Bob Marley. Tem muita música nacional ruim, exceção feita a uma boa versão de Maracatu Atômico.

Rechearam as cenas que realmente interessam com muita conversa entre os surfistas. Aí, vira praticamente uma comédia. Ao descrever a performance de dois colegas, um surfista expressa-se de maneira rudimentar e onomatopéica: “Ele desce a onda assim, buom-buom-buom e o outro já faz assim, tim-tim-tim”. Entendeu?

Noutra cena, o cara manda essa: “O tubo é minha suíte presidencial”. Surreal. E tem o surfista que elogia o bairro carioca onde ele pega onda e emenda dizendo que, por isso, perdeu o medo de espíritos. Hã? Desculpa, mas acho que tomei um caldo e não acompanhei o raciocino.
Saí do filme com a impressão de que ele reforça o preconceito contra os surfistas. O mesmo do qual padecem as louras. Eles parecem bem melhores enfrentando com bravura as maiores ondas do que tentando estabelecer um diálogo “irado”. E eu daqui da areia sigo invejando-os exclusivamente pelo que são capazes de fazer dentro d´água.

sábado, 28 de março de 2009

Loura crise louca



Ai, ai, ai, e lá vem o Lula fazer vergonha de novo com a pérola “...é uma crise causada, fomentada por comportamentos irracionais de gente branca, e de olhos azuis.”

Lula soltou a asneira diante do primeiro ministro inglês, Gordon Brown, que ouvia boquiaberto. Como escreveu o Gerald Thomas, o constrangimento pela grosseria não foi maior porque ele não se chama Gordon White.

Recebi e-mails e mensagens com gozações de amigos estrangeiros. Eles riam. Eu chorava. O presidente é do meu país, não do deles.

Lula enfim achou um louro expiatório. Já que a tal da marolinha virou ondão, o presidente culpou os parafinados surfistas do caos.

O fato é que as louras entraram em crise, ao saberem que a crise é culpa delas. “Como assim?!”, perguntaram-se aflitas.

No O Globo, edição de hoje, a página móvel Logo, intitulada “Lula e os branqueiros” traz uma série de piadas e trocadilhos a respeito de mais esta bola fora. “E os banqueiros do mercado negro, como é que ficam?” ou “Há brancos e brancos, negros e negros. Sávio não é Tita, Obama não é Celso Pitta”.

Enfim, bem informado como é, Lula deve achar que não existem na China, na Índia ou na África nem problemas, nem bancos fazendo operações impróprias com derivativos na ciranda do mercado financeiro.

Lula quis dizer que a crise foi originada no Primeiro Mundo. OK, é verdade. Mas é igualmente verdade que há um milhão de maneiras mais inteligentes de se fazer essa afirmação do que a escolhida pelo presidente.

Linhas acima eu fiz uma generalização, brincando com as louras. Aqui cabe humor desse tipo. Em um discurso presidencial, não. Essa metáfora ou simplificação ou generalização que o presidente fez usando uma frase de efeito e apelo popular é, na verdade, um comentário racista. Sim, também há racismo contra aqueles que não são afro-descendentes.

Tenho certeza que o presidente se ofenderia se alguém dissesse que a culpa da crise é dos “paraíbas” ou dos “baianos”, como cariocas e paulistas, respectivamente, referem-se de modo pejorativo aos nordestinos como ele. Da mesma forma seria um absurdo racista se alguém afirmasse que a violência urbana é “coisa de crioulo”, “culpa dos pretos e pobres”.

Lula realmente deveria pensar um pouco antes de cuspir frases para cair no gosto do povo. Recentemente, ao experimentar uma mortadela, declarou que ela iria bem com uma cachaça. Totalmente desnecessário, ainda mais vindo de um presidente da república. Poderia ter elogiado a mortadela. E ponto. Aliás, se Lula mantivesse a boca mais ocupada com mortadela, não falaria essas bobagens, nem sobre a cachaça (que é branquinha), nem sobre a crise (que não tem apenas olhos azuis).

Mas não é só o Lula que faz vergonha. Luciana Cardoso, filha do ex-presidente FHC, e funcionária do gabinete do senador Heráclito Fortes, disse à Folha de S.Paulo que trabalha em casa, que “aquele Senado é uma bagunça” e que não sabe dizer se recebeu ou não horas extras em janeiro, quando o Senado estava em recesso.

Enfim, a gente tem duas opções. Ou age como avestruz e enfia a cara num buraco de tanta vergonha ou a gente bota a boca no mundo e grita para que as coisas nesse País melhorem.

Apague a luz pra eu te ver melhor

Precisamente há dois meses, publiquei um texto sobre A Hora do Planeta, movimento organizado pela WWF.

É hoje.

Das 20h30 às 21h30, apague a luz.

Acenda uma vela.

(Mas não segure vela para ninguém.)

O meio-ambiente e os meio românticos agradecem.

Ainda sobre banheiros...




















Este tema não é nenhuma obsessão, embora todo homem decente precise de algumas, posso garantir que esta não é a minha.

Mas essas duas imagens merecem comentários. A primeira, bem antipática na porta de um bar em Roma, avisa que ali é um pub e não um banheiro público. Em outros países, é mais comum que os banheiros dos bares e restaurantes sejam usados exclusivamente por clientes. Ainda assim, ninguém sai fazendo xixi na rua.

O cartunista Ziraldo criou um “urinódromo” ou “mijódromo” que iria apresentar à Prefeitura do Rio de Janeiro para tentar educar os foliões mijões. Trata-se de uma tapadeira e um muro de azulejo, com uma caneleta, por onde correm água e creolina o tempo todo. Disse que se inspirou em algo semelhante que viu em Bruxelas.

Aqui, temos mais estabelecimentos comerciais que são “pipi friendly” (êta, expressão ridícula!). Eu mesmo já corri da praia e recorri diversas vezes aos préstimos do Garota de Ipanema.

Já para o xixi dos cachorros (do meu inclusive), haja canteiro, poste, árvore, pneu de carro, quina de muro. As fezes a gente coleta, mas a urina fica lá mesmo, pegando sol e levantando cheiro.

Daí que uma florista em Copacabana colocou a outra placa que ilustra este texto, em português claríssimo e pouco sutil. Está certa. Quem vai comprar uma planta que já vem “batizada?”
Em tempo: fotografar palavras em placas, letreiros e grafites é uma das minhas obsessões.

terça-feira, 24 de março de 2009

Onde é o banheiro?


“Onde é o banheiro?” é a pergunta mais feita na Disney, identificada por pesquisa. Não é “Onde está o Mickey?”. Não é “Por que o Mickey e o Donald têm sobrinhos, mas não filhos?”. Ou filhotes, já que são, respectivamente, camundongo e pato.
“Onde é o banheiro?”, pergunte à Esfinge do Egito. Ou melhor, não pergunte, porque periga ela te devorar se não você não decifrar a resposta enigmática. Melhor mesmo é você fazer logo atrás de um montinho de areia do deserto, como fazem os bem educados foliões cariocas durante o Carnaval.

“Onde é o banheiro?”. Esta sim é a pergunta crucial e não apenas na hora do aperto, quando você se arrepende de ter almoçado feijão com omelete de repolho ou sua bexiga parece querer explodir depois do 15º chopp. Aliás, por que, quando a gente está bebendo cerveja, consegue segurar tanto a primeira ida ao banheiro, mas depois tem que voltar em intervalos curtíssimos?

“Onde é o banheiro?” é a grande questão recorrente. Neste momento exato, milhões - quiçá bilhões - de pessoas estão por aí indagando. Independentemente do fato de terem, ou não, só m... na cabeça.

“Onde é o banheiro?” está mais na boca do povo do que qualquer outra, embora não conste de nenhuma relação de Perguntas Mais Freqüentes (FAQ, na sigla em inglês) que a gente encontra nos sites das empresas.

Esqueça as questões que te atormentavam antes: “Deus existe?”, “Qual o sentido da vida?”, “Quais os números da Mega-sena?”, "Quanto custa?", “Quer casar comigo?”, “Será que ele gosta de mim?”, "Você me ama?" "Estou gorda?", “Foi bom pra você?” (Até porque, se foi mesmo bom, é bom que você tenha percebido e não faça jamais esta pergunta infame!).

Você já perguntou “onde é o banheiro?” hoje?

sábado, 21 de março de 2009

Telecatch



Nos últimos tempos, dois casos de barracos entre celebridades invadiram a mídia. Primeiro, Dado Dolabella agrediu Luana Piovani e uma assessora dela. Neste ano, na véspera da entrega do Grammy, o rapper Chris Brown agrediu sua namorada, a cantora Rihanna.

Homem bater em mulher é uma atitude injustificável. A recíproca é verdadeira, meninas. Por mais que o(a) outro(a) vacile, pise na bola, provoque, irrite, não é para você resolver as diferenças com seu(sua) namorado(a) na base da porrada.

Deu no New York Times que, em recente pesquisa feita pela Comissão de Saúde Pública de Boston, com 200 jovens, 46% disseram que Rihanna foi culpada e 52% que ambos foram.

Caramba! O que é essa molecada tem na cabeça?! Que distorção! A culpa é da agredida!!? Isso sim é preocupante! A responsabilidade passa a ser da vítima e não do criminoso??!! Esta é uma perigosa inversão de valores.

Hematomas curados, dizem os jornais que Rihanna reconciliou-se com Brown, o que considero decepcionante. É não dar-se ao respeito.

Nunca admirei Dado, nem como artista (sic), muito menos como pessoa. Admiro bastante a Luana Piovani, mas não exatamente por seus dotes artísticos ou intelectuais, se é que me entendem.

Ainda assim, achei um exagero a prisão de Dado nesta semana, porque ele esteve no camarote da cervejaria no Carnaval, desrespeitando a distância regulamentar que a Justiça o obriga a ficar longe de Luana. Ora, se a coisa fosse séria, que o prendessem lá, naquela noite, quando presumidamente, ele poderia oferecer algum perigo. Mas fazer isso semanas depois, beira o ridículo.

Mas o ridículo maior veio depois. Na noite da prisão, vi o apresentador João Gordo, da MTV, antigo desafeto de Dado, rir e perguntar se Dado não estaria “dando o rabinho” na prisão. Que postura mais agressiva, preconceituosa, grotesca. Muito escroto.

Na seqüência do circo dos horrores, estão à venda na internet camisetas que polarizam a questão entre Dado e Luana. Numa, a imagem de Dado fazendo com as mãos o símbolo da pomba da paz, traz escrito, em inglês (!!?), “Not guilty. Dado rocks”. Na camiseta que se posiciona do outro lado do ringue, aparece Luana de coroa de rainha, com o texto também em nossa língua nativa, o inglês: “Be Luana. Be glam...”

Eu encerro por aqui, porque preciso ir correndo vomitar...

E então, fez-se luz...



Uma amiga, na casa dos 50, me confidenciou, dia desses, que começa a se sentir feia, velha, desinteressante, embora eu lhes assegure que ela não é nada disso.

Talvez o caminho para ela seja encontrar Jesus. Não a luz. Mas o Luz. Seguindo o exemplo da cinquentona Madonna, ela deveria se divertir com um jovem rapaz, para perceber que ainda está com tudo em cima e é uma mulher atraente. Deve fazer isso, claro, sem cometer os mesmos equívocos da atriz, auto-proclamada estrela, Suzana Vieira, que fica com homens mais jovens e acha que é mais jovem do que eles.

Li que o bonitão Jesus Luz disse que agora que está no Brasil e seus passos mais irrelevantes estão nas colunas, tem muita gente querendo se promover às custas dele. Fala sério, merece comentário?!

Ele foi flagrado passeando com uma morenaça essa semana, a foto saiu publicada no jornal inglês The Sun, e o Ancelmo Góis temeu que o rapaz estivesse colocando o emprego em risco.

Não creio. Acho que é esperto mesmo. A Madonna deve ter se cansado de seu brinquedo novo e despachou o toy boy de volta ao Brasil. Daí ele sai com uma morena, deixa-se fotografar, e a mídia marrom internacional especula que o affair com a Madonna terminou por conta dessa pulada de cerca do moço.

Para não ficar por baixo, o malandro dá a entender que é, não só o cara que comeu a Madonna, mas também o cara que corneou a Madonna. Sabe tudo de auto-promoção.

A cantora Ana Carolina, que sonha só comer a Madonna, deve se rasgar de inveja. Eu te entendo, Ana.



ps.: Claro que a imagem que ilustra este post é da Madonna. Você não esperava mesmo que eu fosse colocar uma foto dele, né?

Duas estações

Praça Paris, Rio de Janeiro. Foto: Renato José Mayer

O verão 2009 se foi, oficialmente, ontem. Para mim, já foi tarde, como vão quase todos os verões. Não é que eu não goste de sol, praia, férias, chopp gelado, gatas de biquíni pequenininho, vida ao ar livre. Gosto de tudo isso. Mas é que aqui no balneário onde vivo, faz calor demais.

Foi um verão bem xôxo mesmo, sem grandes modismos, novidades, eventos. Em dezembro, o tempo ainda estava agradável; em janeiro, choveu direto. Pleno mesmo o verão foi em fevereiro e início de março. Suficiente.

Bem vindo seja o outono que traz temperaturas mais amenas e humanas, céus azuis absurdos, uma luminosidade linda à cidade e forra as calçadas com as folhas alaranjadas que as árvores deixam cair, ali na Praça Paris, e em outros cantos do Rio.

A cidade não muda tanto assim, é verdade. Aqui, só temos duas estações: muito quente e quente.

Enquanto isso, é primavera em Paris. Não a praça carioca, mas a Cidade Luz. Sugiro a leitura de "Quase primavera", belo texto de Carol Nogueira, publicado no Le Croissant. (link no meu blogroll, aí ao lado).


sexta-feira, 20 de março de 2009

Dois sonos e um som

Thom Yorke, voz e guitarra do Radiohead.


Hoje tem o aguardado show do Radiohead na Praça da Apoteose, Rio.

Como antes tem Los Hermanos e Kraftwerk, a dica é fazer um esquenta nalgum boteco das redondezas, embora o som do Radiohead combine mais com bebidas destiladas do que com cervas geladas.

Outra possibilidade é aproveitar os shows de abertura para tirar um cochilo bacana, enquanto o Radiohead não entra no palco. Aí, então, será a hora de curtir o som.

sábado, 14 de março de 2009

Silenciosa decadência

Eu e o Tio Patinhas sabemos que a música mais linda é aquela tocada pelo dinheiro entrando no caixa, que casa de espetáculos é um negócio como outro qualquer – precisa dar lucro – e não pode se dar ao luxo de ter bom gosto musical.

Ainda assim, não deixa de doer quando a gente abre o jornal e vê a programação de março do Canecão, a mais tradicional sala de shows do Rio, inaugurada em 1967.

Hoje, tem Ricky Vallen, gravando DVD ao vivo (Santo Deus! O que é este ser?); depois tem Groundation, que segundo o anúncio é um dos maiores grupos de reggae da nova geração (então, tá, eu finjo que acredito, afinal, eu sou velho desinformado das novidades); na sequencia, teremos Alexandre Pires (o ex pagodeiro do Só Pra Contrariar que virou cantor romântico e cantou na Casa Branca para Bush); Zé Renato (veterano da MPB, respeito) e Tango-a-Tierra. (?!?!).

Para uma casa que está indissoluvelmente ligada à história da MPB, é muito pouco. E pensar que, além dos feitos por artistas nacionais, lá já rolaram shows internacionais antológicos, inesquecíveis, como Echo & The Bunnymen, no auge da forma em 1987, e Ramones (com direito a bomba de gás lacrimogênio, quem se lembra?).

É uma silenciosa decadência. Ou seria ruidosa, uma vez que a (boa) música mudou de endereço?

quinta-feira, 12 de março de 2009

Além do horizonte

Capa de "No line on the horizon", novo álbum do U2

O U2 talvez seja a única banda da qual eu ainda aguarde o lançamento de um CD. Digo “banda”, porque eu sempre espero os discos da Danni Leigh, uma cantora country. Sim, eu gosto de country e esta é uma das várias falhas do meu caráter.

Voltando aos irlandeses, o grupo é dos poucos do qual vale a pena consumir música à moda antiga: comprando o disco. Fora eles, as outras bandas atuais só valem uns downloads para o Ipod e olhe lá.

Então, comprei o novo álbum, lançado semana passada: “No line on the horizon”. Ouvi de uma tacada, no carro, e achei chato pra caramba. Antes de descer o malho, resolvi esperar uns dias, esperar o meu humor mudar, uma nova conjunção astral, sei lá.

Ouvi de novo. Não é tão chato. Não consegue ser ruim como o “Popmart” ou como “Zooropa”, os piores da melhor banda em atividade.

A primeira faixa, que dá título ao álbum, é razoável, longe de empolgar. A segunda, “Magnificent”, melhora um pouco. Então, vem a balada “Moment of surrender”, bonita. Mas que ficaria ainda mais bonita se fosse mais curta. Antes de você adormecer, lá pelo sexto minuto, The Edge solta uma guitarra belíssima. Aliás, em todo o disco, a guitarra é um dos pontos altos. The Edge estava inspirado nas gravações.

A quarta faixa é “Unknown caller”. Bem, pule. É péssima. E tem um corinho insuportável. Este é um dos principais defeitos desse conjunto de canções: abusaram dos corinhos “ôôôô”.

Quando tudo parecia perdido, começa a redenção. “I’ll go crazy if I don’t go crazy tonight”. Enfim, rock’n’roll! Bateria seca, redonda, remetendo às batidas da fase de “War”. Na sequencia, vem “Get on your boots”, o single de trabalho do disco. Beleza, boa sucessora para “Vertigo”, do álbum anterior. Riff inicial poderoso, contagiante. Dá mesmo vontade de calçar as botas e partir pro mundo.

A guitarra vem com tudo também na oitava, “Stand up comedy”. Ótima. Depois, temos “Fez: Being Born”, mais viajante, que baixa um pouco a bola, mas ainda mantém o estilo. O gás acaba e vem outra balada, “White as snow”, bonita pacas. Belíssimo arranjo de cordas. Apesar de todos os Marlboros e todas as Guinness, Bono Vox continua fazendo jus ao nome.

“Breathe”. Boa guitarra, bom piano, letra meio cantada, meio declamada. Boazinha, nada demais. “Cedars of Lebanon” outra balada fecha prematuramente o álbum. A voz, meio sussurrada, sobressai aos instrumentos; boa linha de baixo, guitarra criando climas, mas um refrão bem chatinho. E acaba de repente.

Para quem, como eu, ainda se liga nessas coisas, de disco com estojo e encarte, este tem projeto gráfico elegante com a predominância de cinza, prata, preto e branco. Bacana, mas nada prático de manusear. As fotos são lindas e as letras estão lá, embora miúdas.

“No line on the horizon” passa no teste, mas sem louvor. Vamos esperar para ver o que há além do horizonte. Epa!, mas esta é uma canção do Rei Roberto Carlos...

Calor da porra

Ele, o Sol, em pose de 27.11.1997. Foto: SOHO - Consórcio EIT, ESA, NASA




Sou um homem de poucas certezas inquestionáveis.

Mas tenho uma convicção inabalável:

a felicidade é impossível acima de 30º C.

Vá lavar sua roupa


Além da excomunhão dos médicos pernambucanos que realizaram o devido aborto na menina de nove anos estuprada pelo padrasto, a Igreja Católica soltou outra potoca recente.

A máquina de lavar talvez tenha feito mais pela liberação da mulher no século XX do que a pílula anticoncepcional ou o acesso ao mercado de trabalho. A conclusão consta em um longo artigo publicado na edição do fim de semana passado do jornal semioficial do Vaticano, o L'Osservatore Romano, por ocasião do Dia Internacional da Mulher. O título era "A Máquina de lavar e a liberação das mulheres - ponha detergente, feche a tampa e relaxe".
"O que no século XX fez mais para liberar as mulheres ocidentais?", questiona o artigo, escrito por uma mulher. "O debate é acalorado. Alguns dizem que a pílula, alguns dizem que o direito ao aborto, e alguns (dizem que) o direito a trabalhar fora de casa. Alguns, porém, ousam ir além: a máquina de lavar."
O texto então conta a história da máquina de lavar, desde um modelo rudimentar de 1767 na Alemanha, até os modernos equipamentos com os quais a mulher pode tomar um capuccino com as amigas enquanto a roupa é batida.

Tamanha estupidez não merece nem comentários. Mas vamos juntar lé com cré e misturar essa baboseira – como numa máquina de lavar na fase de centrifugação - com aquela cometida pelo Anjo Excomungador. Como sugere a Cora Rónai em sua coluna de hoje publicada no O Globo, “A Igreja já atormentou demais a vida da Humanidade. Agora devia ir lavar seu tanque de roupa suja e deixar que vivêssemos em paz.” Roupa encardida. Se a Igreja fosse excomungar seus pedófilos e estupradores, talvez tivesse problemas de RH, escreve a jornalista.

Córa continua com a língua bem afiada: “Acho a excomunhão um anacronismo tão ridículo que, aplicada hoje, e por esta Igreja, está mais para condecoração e ponto no currículo.”

Hoje também pode ser lido nos jornais a triste notícia de que uma menina de 11 anos deu à luz no Rio Grande do Sul a uma criança, fruto do estupro cometido pelo seu padrasto. Essa tragédia acontece cotidianamente.

E vou novamente fazer minhas as palavras da Córa: “Eu não sou a favor do aborto; acho que há um sério erro conceitual nessa expressão. Sou , isso sim, a favor de que cada mulher possa livremente optar por fazer ou não fazer aborto, com a assistência médica necessária. Abortos clandestinos são a principal causa de morte materna na América Latina; é estranho que quem diz “defender a vida” não leve essa estatística em consideração. O fato é que ninguém faz aborto por esporte ou prazer; assim como é verdade que as penas da lei e os desastres de abortos malfeitos sobram quase sempre para as mulheres mais pobres, sem acesso a métodos contraceptivos eficazes.”

terça-feira, 10 de março de 2009

Faíscas de beleza

foto: Klara Wirz


O escritor moçambicano Mia Couto concedeu entrevista ao jornal O Globo, publicada no Segundo Caderno em 8 de março. Nela, o escritor brasileiro Milton Hatoum pergunta a Couto se a poesia é inseparável da prosa. A resposta é uma belíssima demonstração de sensibilidade, sabedoria e delicadeza.

Mia Couto: “Sim, é inseparável. Talvez por deficiência, talvez porque eu não saiba fazer de outro modo. Poesia, para mim, não é algo que apenas se escreva. Mas que se vive. Parece uma “grande” declaração, mas a verdade é que, se não fosse escritor, creio que manteria uma relação poética com o mundo como condição para ser feliz. O meu pai é poeta e, mais do que entre livros, cresci num ambiente em que se valorizavam as pequenas coisas, a descoberta de beleza à moda de Manoel de Barros: brilhos entre cinzas e lixos. Lembro-me de meu pai me conduzir entre as velhas linhas do trem para descobrir pequenas pedrinhas brilhantes tombadas dos vagões de minério. Ao redor havia a guerra colonial, um mundo inteiro que se despedaçava. Mas meu pai se entretinha como um menino a colecionar pedrinhas. Essa foi a minha primeira lição de poesia. Ainda hoje, vivo assim, com olhos na terra ciscando por faíscas de beleza.”

domingo, 8 de março de 2009

Dia Internacional da Mulher







"Se te pareço noturna e imperfeita,


olha-me de novo."


Hilda Hilst

Pensamentos rebeldes, por Ana Kessler




"São 7h. O despertador canta de galo e eu não tenho forças nem para atirá-lo contra a parede. Estou TÃO acabada, não queria ter que trabalhar hoje. Quero ficar em casa, cozinhando, ouvindo música, cantarolando, até. Se tivesse filhos, gastaria a manhã brincando com eles, se tivesse cachorro, passeando pelas redondezas. Aquário? Olhando os peixinhos nadarem. Espaço? Fazendo alongamento. Leite condensado? Brigadeiro. Tudo menos sair da cama, engatar uma primeira e colocar o cérebro pra funcionar.

Gostaria de saber quem foi a mentecapta, a matriz das feministas que teve a infeliz idéia de reivindicar direitos à mulher e por quê ela fez isso conosco, que nascemos depois dela. Estava tudo tão bom no tempo das nossas avós, elas passavam o dia a bordar, a trocar receitas com as amigas, ensinando-se mutuamente segredos de molhos e temperos, de remédios caseiros, lendo bons livros das bibliotecas dos maridos, decorando a casa, podando árvores, plantando flores, colhendo legumes das hortas, educando crianças, freqüentando saraus, a vida era um grande curso de artesanato, medicina alternativa e culinária.

Aí vem uma fulaninha qualquer que não gostava de sutiã tampouco de espartilho, e contamina várias outras rebeldes inconseqüentes com idéias mirabolantes sobre "vamos conquistar o nosso espaço". Que espaço, minha filha? Você já tinha a casa inteira, o bairro todo, o mundo ao seus pés. Detinha o domínio completo sobre os homens, eles dependiam de você para comer, vestir, e se exibir para os amigos, que raio de direitos requerer? Agora eles estão aí, todos confusos, não sabem mais que papéis desempenhar na sociedade, fugindo de nós como o diabo da cruz. Essa brincadeira de vocês acabou é nos enchendo de deveres, isso sim. E nos lançando no calabouço da solteirice aguda.

Antigamente, os casamentos duravam para sempre, tripla jornada era coisa do Bernard do vôlei - e olhe lá, porque naquela época não existia Bernard e, se duvidar, nem vôlei. Por quê, me digam por quê um sexo que tinha tudo do bom e do melhor, que só precisava ser frágil, foi se meter a competir com o macharedo? Olha o tamanho do bíceps deles, e olha o tamanho do nosso. Tava na cara que isso não ia dar certo.


Não agüento mais ser obrigada ao ritual diário de fazer escova, maquiar, passar hidratantes, escolher que roupa vestir, que sapatos, acessórios, que perfume combina com o meu humor, nem de ter que sair correndo, ficar engarrafada, correr risco de ser assaltada, de morrer atropelada, passar o dia ereta na frente do computador, com o telefone no ouvido, resolvendo problemas. Somos fiscalizadas e cobradas por nós mesmas a estar sempre em forma, sem estrias, depiladas, sorridentes, cheirosas, unhas feitas, sem falar no currículo impecável, recheado de mestrados, doutorados, e especializações. Viramos super mulheres, continuamos a ganhar menos do que eles. Não era muito melhor ter ficado fazendo tricô na cadeira de balanço?

Chega, eu quero alguém que pague as minhas contas, abra a porta para eu passar, puxe a cadeira para eu sentar, me mande flores com cartões cheios de poesia, faça serenatas na minha janela - ai, meu Deus, 7h30, tenho que levantar!, e tem mais, que chegue do trabalho, sente no sofá, coloque os pés pra cima e diga "meu bem, me traz uma dose de whisky, por favor?", descobri que nasci pra servir. Cês pensam que eu tô ironizando? Tô falando sério! Estou abdicando do meu posto de mulher moderna. Troco pelo de Amélia.

Alguém se habilita?"

Ana Kessler, 19 de junho de 2003

A mulher madura, por Affonso Romano de Sant'Anna




O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes, ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras, a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo no repouso da graça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho dos seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece os mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensa-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso e repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não espera-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

Affonso Romano de Sant’Anna, 15 de setembro de 1985.

Mulheres na pressão, por Martha Medeiros


“... Ainda desejamos provar para o mundo que yes, we can.

Claro que as mulheres podem tudo, está sacramentado. Mas será que devemos querer tudo? Onde foi parar nosso critério de seleção? Já não sabemos distinguir o que é prioridade e o que pode ficar em segundo plano: tudo virou prioridade. E só uma mulher supersônica consegue ter eficiência absoluta em todos os quesitos: melhor mãe, melhor amiga, melhor filha, melhor namorada, melhor esposa, melhor profissional, melhor dona-de-casa e melhor bunda. É morte por exaustão na certa.

Eu proponho, nesse Dia Internacional das Mulheres, que a gente dê uma folga para nós mesmas. Vamos mudar de assunto. Que se pare de falar de mulheres que conseguiram engravidar aos 57 anos, que perderam 30 quilos em duas semanas, que beijaram 28 caras em duas noites de carnaval, que aprenderam a ganhar dinheiro sem sair de casa, que visitaram 46 países nos últimos dez anos, que sobreviveram a tragédias, que conseguiram domar as melenas, que são executivas completas, que possuem duas centenas de sapatos, que três semanas depois de separar já estão felizes nos braços de outro, que preparam um risoto de funghi em dez minutos, que têm disposição para rolar no chão com os filhos, que assistiram todos os filmes em cartaz, que aparentam ter 15 anos menos, que exibem uma barriga de tanquinho um mês depois de parir, que lembram trechos dos clássicos que leram na época da faculdade, que superaram traumas, que arranjam tempo para fazer pilates, ioga, musculação e drenagem linfática. Dá orgulho, eu sei, mas é uma competência e uma autopromoção que beira o irreal.

Estou com saudade de ler e ouvir sobre as adoráveis qualidades dos homens. Eles merecem voltar a ser valorizados. Isso ajudaria a reduzir nosso estresse e a nos dar uma situada. Com menos holofotes, deixaremos de nos cobrar tanto e recuperaremos um pouco da paz de nossas avós.”

Martha Medeiros, 8 de março de 2009.

Excomunhão

Causou comoção e polêmica o caso da menina de 9 anos estuprada pelo padastro e que engravidou de gêmeos. Nesta semana, ela realizou um aborto, autorizada pela Justiça.

O arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho excomungou toda a equipe médica que fez o aborto lícito e a mãe da menina, que autorizou o procedimento.

Confrontado com o fato de que o estuprador não estava sendo punido pela Igreja, o Arcebispo deu mais uma demonstração de insensibilidade afirmando que o crime de estupro é “menos grave” do que “tirar a vida de um inocente” por meio de um aborto.

A comparação absurda torna inevitável a lembrança da frase de Paulo Maluf, que ficou eternizada no mundo político, quando deixou escapar, em um debate sobre violência urbana, um comentário que definia bem seus valores morais: “Estupra, mas não mata”.

Deve ser seguindo essa linha torta de pensamento que tantos padres perversos cometem o injustificável crime de pedofilia.

Eu nunca vi ninguém fazer um aborto feliz da vida, enquanto o estuprador se regozija com o sofrimento da vítima.

Que religião é essa que coloca a barbárie do estupro e os direitos da menina vítima, que precisa de paz e amparo emocional, em segundo plano?!

A menina tinha amparo legal duplo para fazer o aborto (vítima de estupro e risco de morte para a mãe). Supostamente em nome da vida, o Arcebispo queria obrigar a menina a correr o risco da morte.

A posição do Arcebispo foi coerente com a sua Igreja. Foi defendida e ratificada por outras autoridades eclesiásticas, que disseram: “Nem sempre se pode identificar o que está amparado por leis com princípios éticos e valores morais. Para nós, sempre terá procedência o mandamento do Senhor: não matarás”.

Esta é a opinião da Igreja Católica, legítima e que deve ser respeitada, embora dela eu discorde frontalmente.

Fui batizado em Igreja Luterana, estudei a vida inteira em Colégio Marista, recebi a Primeira Eucaristia e a primeira das três vezes em que me casei, o fiz na Igreja Católica. No entanto, não me considero católico. Cada vez mais me causa repulsa a sua doutrina. Cada vez fico mais inconformado com a limitação do pensamento católico.

Eu não tenho religião. Eu não tenho certeza se Deus existe. Mas se Ele existir espero que seja bem diferente desse deus do Arcebispo.

E, Dom, se quiser me excomungar também, fique à vontade.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Romantismo



Depois de uma semana daquelas, hoje eu estou romântico.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Vik Muniz no MAM


A exposição de Vik Muniz que está em cartaz até 8 de março no Museu de Arte Moderna - MAM Rio é simplesmente imperdível.

Mais impressionantes até do que os resultados dos trabalhos, são as formas como as obras são elaboradas. Criadas a partir de materiais inusitados (de diamantes a lixo, de linhas de costura a pasta de amendoim), Vik Muniz dá uma demonstração vigorosa de criatividade e técnica, impregnada de siginificados.
Eu já tinha visto algumas obras de Vik Muniz isoladamente, em diferentes exposições, nunca reunidas em um conjunto tão expressivo. Saí de lá embasbacado.

Reproduzo a seguir o texto de apresentação da mostra:

"Olhe à sua volta: há um mundo de coisas para as quais você não dá a menor importância. Poeira? Você já considerou a poeira como algo possível de ter outro significado? E o lixo, pode ser algo além de ser, simplesmente, lixo? Pois bem, um artista brasileiro – seu nome é Vik Muniz – foi capaz de olhar essas coisas cotidianas e, com elas, recriar possibilidades de apresentar e perceber o mundo.

Em suas obras, materiais inusitados para a arte, como calda de chocolate, pasta de amendoim, caviar ou diamantes são utilizados para recriar grandes ícones da fotografia e da pintura. O resultado são quadros surpreendentes, que nos parecem a um só tempo familiares e estranhos. Lançando nova luz sobre o passado, as fotos de Muniz não deixam de provocar uma reflexão bem humorada e divertida sobre a nossa forma de ver e compreender as imagens.

Com mais de 120 trabalhos que abarcam do início de sua carreira, no fim dos anos 1980, até os dias de hoje, Vik – realizada por Aprazível Edições e Arte – é a maior exposição já dedicada ao artista. Depois de passar pelos Estados Unidos, Canadá e México, ela chega ao Brasil no momento em que Vik atinge o ápice de seu reconhecimento, tornando-se um dos artistas brasileiros mais consagrados no cenário internacional.

Para Vik Muniz, o artista faz a metade do trabalho; a outra parte é feita pelo espectador, que exerce um papel ativo. Agora é a sua vez. Entre nessa aventura, que é ver a exposição: ouse e reivente seu olhar.


Curadoria Vik Muniz
Realização e Organização Aprazível Edições e Arte - Leonel Kaz e Nigge Loddi
Exposição Direção Emilio Kalil
Patrocínio Bradesco Seguros
Ministério da Cultura Lei de Incentivo à Cultura, Governo Federal Brasil um país de todos

imagem: Vik Muniz São Paulo SP, Brasil/EUA, 1961Self Portrait (Front) (Pictures of Magazines), 2003Auto-retrato (frente) (Imagens de revistas)chromogenic print 233,7 x 182,9 cmSelf Portrait (Back) (Pictures of Magazines), 2003Auto-retrato (verso) (Imagens de revistas)chromogenic print 233,7 X 26462 cmCortesia Sikkema Jenkins & Co., New York

Fonte: MAM-Rio"


A exposição pode ser visitada de terça a sexta, das 12h às 18h; Sáb/dom, das 12h às 19. R$ 8 (inteira) / R$ 4 (meia). Programão para uma tarde. Aproveite a visita e passeie pelos jardins do MAM e curta o visual da Marina. Se tiver uma folga no orçamento, leve para casa o belo catálogo da exposição, vendido por R$ 90 na lojinha do Museu.

Trampo



No pitoresco calendário nacional, hoje é primeiro de janeiro. Para valer mesmo, o ano só começa na segunda-feira seguinte ao Carnaval. E já que, obviamente, nem você – porque está me lendo agora – nem eu – porque estou escrevendo este blog – ganhamos na Mega-sena, vamos ao trabalho. Essa falaciosa invenção que, juram, dignifica o homem.

Já que temos que trabalhar – e que bom que temos emprego, especialmente em tempos de crise – é melhor fazer o trabalho bem feito.

Para ajudar, está aí esta simpática - e de fato, sábia - lista que circula pela Internet com dez atitudes para trabalhar melhor. (A qual eu não vou me dar ao trabalho de traduzir, ok?)

Feliz Ano Novo. No mais, rala que rola.

domingo, 1 de março de 2009

Milk



Está em cartaz “Milk”, o filme que proporcionou a Sean Penn o merecidíssimo Oscar de melhor ator. Dirigido por Gus Van Sant, conta a história real de Harvey Milk, primeiro gay assumido a ser eleito para um cargo público nos Estados Unidos.

Até os quarenta anos, Milk pedia sigilo aos seus namorados, com medo de perder o bom emprego em Nova York. Sentindo que precisava de mudança em sua vida, parte para San Francisco com o namorado Scott Smith, sai do armário e inicia a militância em favor dos direitos civis dos homossexuais.

Após três tentativas frustradas, Milk é eleito supervisor de San Francisco, cargo similar ao de vereador no Brasil. Sua principal cruzada passa a ser contra a chamada Proposição nº6, do senador Briggs, que estabelecia que professores homossexuais – e quem os defendesse – deveriam ser demitidos das escolas públicas. A justificativa, absurda, era a de que os professores “ensinariam homossexualidade”, assediariam aos alunos e os recrutariam para as hostes gays, destruindo as famílias.

Milk consegue vencer e a proposição é vetada em San Francisco. Mas a alegria pela vitória dura pouco. Sua carreira promissora, em franca ascensão, é interrompida brutalmente a balas. Em 1978, Milk foi assassinado, junto com o então prefeito de San Francisco, por um outro supervisor, Dan White, seu rival político.

Em linhas gerais, esta é a história. O filme é muito mais que isso e vale a pena ser visto não apenas pela magistral interpretação de Penn. É assustador pensar que tanta ignorância, tanto preconceito, tanta hostilidade contra os gays aconteceu há apenas 30 anos.

E, a despeito do muito que se evoluiu nas últimas décadas, ainda há um longo caminho pela frente para vencer a homofobia.

Eu tenho muitos amigos gays. Notem que eu não escrevi conhecidos ou colegas, mas amigos. Alguns dos melhores. Um destes foi para mim um irmão no momento mais difícil da minha vida. Com ele, aprendi o valor das amizades sinceras e a precisar de menos coisas materiais para ser feliz.

Certa vez, saímos para almoçar em um grupo de oito homens, no qual eu era o único hetero. Ele então me perguntou se eu não me incomodava em sair com “tanta bicha junta, dando pinta”. Eu respondi que não. Que, ao contrário, eu me orgulhava. Porque ali, o diferente era eu. E a minha presença não os constrangia, não os continha, não os incomodava. Eu era aceito por eles. E ficava feliz porque eles se sentiam plenamente à vontade comigo ali.

Relações de amizade são construídas com admiração e respeito mútuos. Torço para que um dia, somewhere over the rainbow, as pessoas convivam harmoniosamente, sem rotularem umas às outras em função da sua orientação sexual.

Ilustra este texto o selo que o governo de Pernambuco fez para mostrar que é receptivo aos turistas gays. A iniciativa é boa, principalmente se for além do mero discurso.

Aquele abraço

Praia de Ipanema, Rio. Foto: Leandro Wirz



Hoje, primeiro de março, o Rio de Janeiro completa 444 anos. Fundada por Estácio de Sá em meio à guerra entre portugueses versus franceses e seus aliados índios, entre os morros Pão de Açúcar e Cara de Cão, a cidade perdeu muito do açúcar e está mais com a cara do Cão.

Ainda assim, apesar dos maus-tratos, do descaso, da deseducação, da ausência de planejamento, da sujeira, da violência, o Rio de Janeiro continua, sim, lindo, como canta a música. Lindo, porém “selvalizado”.

A beleza, mesmo imensa, atenua, mas não elimina as mazelas desta cidade. Sem dúvida, uma das mais bonitas e bárbaras (no mau sentido) do mundo.

Primeiro de março é também o endereço de uma ilha de civilidade no Rio. Fica na Rua Primeiro de Março, 66, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que desde 1989 oferece aos milhões de visitantes anuais uma programação de altíssima qualidade, diversificada, gratuita ou a preços acessíveis. É um dos lugares que os cariocas devem freqüentar e recomendar aos turistas, e dos quais podem se orgulhar.

Feliz aniversáRio. Ainda há esperança.