domingo, 18 de dezembro de 2011

A moto do Mauricinho

foto: Leandro Wirz


Recentemente, realizou-se o Rio Harley Days, evento que reúne proprietários e aficionados pelas motos, pela mítica e pelo estilo de vida da Harley-Davidson.

Na sexta-feira de manhã, dia da abertura do Encontro, encontrei um colega de trabalho vestido a caráter: calça e camisa jeans, bota de couro, cinto com fivela HD, jaqueta de couro preta e laranja com a marca estampada acintosamente nas costas. Um visual bem distante do seu costumeiro terno e gravata. Ele então me convidou para dar uma olhada em sua moto na garagem do escritório. Uma Heritage preta, ano 2010, em substituição à Fat Boy que possuía anteriormente. Montei, liguei, acelerei e ouvi o inconfundível ronco que só as Harleys têm.

Eu tenho alguns sonhos de consumo. Mas o único que me acompanha desde muito jovem e é o de ter uma Harley-Davidson. Ainda hei de satisfazê-lo.

No final da tarde, encontro o colega novamente na porta do prédio. Estava acompanhado de outros dois e todos excitados para irem ao evento. Minutos depois, pára o carro com motorista, abre a porta e eles entram.  Eu perguntei: “Ué e a moto? Vai ficar aqui na garagem?!”

Ele então responde: “É, lá não ia ter lugar para eu estacionar.” 

Definitivamente, deus não dá Harley à cobra.

Doutor Coragem

foto: operamundi/UOL
No domingo em que seu time de coração, o Corinthians, sagrou-se campeão brasileiro de 2011, morreu Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o “Doutor” ou o “Magrão”, em decorrência de doenças hepáticas causadas pelo alcoolismo. Tinha 57 anos.
Para apresentar o ex-jogador, tomo emprestadas palavras de José Miguel Wisnik, extraídas da crônica “Sócrates Brasileiro”, publicada no jornal O Globo em 10.12.2011:

“Sócrates pertenceu a uma geração de jogadores brilhantes e excepcionalmente pensantes, sob a égide de Telê Santana, como Zico, Júnior e Falcão. Nada das numerologias regressivas e supersticiosas de Zagallo, do academicismo abstrato de Parreira, da cabeça dura de Dunga, nesse período feliz de uma derrota (Nota: a da Copa de 1982) que só honra a nossa memória. Entre eles, Sócrates é o que se jogou na vida, inconformado por ela não ser melhor, mas apaixonado por ela. A alegria e a liberdade eram para ele a prova dos nove para se jogar bem. Elas tinham a ver com a integridade de quem o faz. E, pare ele, eram inseparáveis dos prazeres que dão sentido a tudo. Um custo fatal, em forma da doença provocada pelo álcool, ele não negou em nenhum momento, sem a menor intenção de apagar seus próprios passos.”    

Graduado em medicina, cidadão politizado, um dos alicerces da então revolucionária Democracia Corintiana, Sócrates era um craque com a bola nos pés. Com corpo desproporcional (mais de 1,90m e pés tamanho 38), Sócrates, que gostava de beber e fumar, nunca teve fôlego nem físico de atleta. Compensava com inteligência, visão de jogo e habilidade, como nos toques precisos de calcanhar que ajudaram a torná-lo célebre, a desconcertar adversários e a driblar o tempo despendido para girar o corpo antes de tocar a bola. 

Este texto não pretende enaltecer suas qualidades como jogador de futebol e cidadão, embora reconhecê-lo também por isso fosse justo e necessário. Quero registrar sua coragem. Médico e esclarecido, sempre teve plena consciência dos malefícios causados pela bebida e pelo cigarro.  E aqui também não se trata de romancear o alcoolismo ou o tabagismo, sabidamente danosos à saúde.  Pouco antes de morrer, em entrevista ao canal SporTV, Sócrates declarou:  “Arrependimentos? De jeito nenhum! Eu vivi intensamente quase 60 anos. Como eu poderia viver careta?”

Sócrates morreu como viveu. Corajosamente. Sem apelar para lamúrias e conversões de última hora, tão comuns quando a coisa aperta e a morte se avizinha. Eu admiro gente assim.  Sócrates fez suas escolhas e não existem certas ou erradas. Cada escolha implica uma renúncia. Todas trazem ganhos e perdas. É muito mais nobre e digno do que, diante do medo, borrar-se nas calças e apelar de forma oportunista pra deus ou por outra chance. Arrepender-se pode ser tão fácil e covarde. Quando chegar a minha hora, eu também quero ter a hombridade de morrer em pé. Consciente do que fiz e das conseqüências das minhas escolhas.  Sou responsável até por minhas irresponsabilidades. “Os prazeres dão sentido a tudo.”