quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Com respeito à dor dos outros

Minha psicologia é de botequim e minha filosofia, para ficar mais chique um pouco, é de café parisiense. Mas eu não me furto a uns pitacos, entre tragos e goles.

Nesta semana, o enterro da adolescente Eloá, de Santo André, atraiu uma multidão estimada em quase dez mil pessoas. Isso mesmo, dez mil pessoas! Teve gente que viajou de outra cidade para o velório e para acompanhar o enterro. Tinha um monte de gente tirando foto do caixão com o celular. Pelamordideus! O que é isso? Que curiosidade doentia é essa, que morbidez é essa? Vão, depois, exibir as fotos como troféu? Ou ficarão olhando-as com nostalgia?

Não me venham falar que as pessoas sensíveis se comovem se solidarizam e então vão lá para expressar isso. A humanidade não é tão boa assim, não. Acho que o que move mesmo essa gente é algo muito mais torpe e vil. É um desejo de ver a desgraça alheia e poder narrá-la, batendo no peito, afirmando: “Eu estava lá! Eu vi! Eu fui!”. E dessa forma grotesca, conseguir uma posição de destaque na hierarquia social do seu meio. Ascender entre aqueles com os quais convive. Ou talvez essas pessoas queiram se inserir nessa tragédia para que tenham algo de quente em suas vidas mornas e insossas. Psicólogos de plantão, corrijam-me.

É um desejo distorcido de fazer parte da história. De uma história que, desculpem a franqueza, não é sua. É trágica, é triste, como milhões de desgraças diárias e alheias. Deixem, respeitosamente, os envolvidos sofrerem em paz.

Não interpretem o que escrevo como indiferença. Não se trata disso. Mas se trata de ter uma mínima noção do meu papel nessa história e do papel dessa história na minha vida.

Recomendo vivamente o texto “A voz do povo”, do jornalista Leonardo Sakamoto. O endereço do blog do Sakamoto é http://colunistas.ig.com.br/sakamoto/2008/10/23/a-voz-do-povo/

Eu estou cansado desse assunto, da exploração desse assunto, assim como das tragédias mais recentes que ocuparam a mídia. E que a mídia fez ocuparem exaustivamente o nosso tempo e o nosso cotidiano. E já estou cansado também das tragédias futuras. Essa overdose banaliza o drama que, mais do que a qualquer outro, pertence aos diretamente envolvidos. E estou mais cansado ainda dessas pessoas urubus que se debruçam sobre a desgraça alheia.

A tragédia da menina assassinada pelo ex-namorado ganhou novos contornos quando a imprensa revelou que o pai da vítima é, possivelmente, ex-integrante de grupos de extermínio em Alagoas e encontra-se foragido da Justiça. E tudo vira uma típica novela brasileira acompanhada por desocupados que não vivem suas próprias vidas.

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