sexta-feira, 1 de maio de 2009

Sentado na lua minguante



Noite dessas, vendo a lua minguante como um brinco perfeito em um céu negro, voltou forte à minha cabeça a canção “Pessoas”, do Hojerizah.

Saudoso, ao chegar em casa, me apliquei em alto volume uma boa dose da banda, que como o jornalista Arthur Dapieve escreveu em seu livro BRock, foi uma das duas melhores da divisão de base da cena carioca dos anos 1980, junto com o Picassos Falsos.

O nome Hojerizah é a estilização de ojeriza, sinônimo de aversão, e vem da raiz espanhola ojo (olho). Tudo a ver com uma banda que causava estranheza não só pela voz operística de Toni Platão, como por apresentar melodias pesadas e letras líricas e depressivas em plena new wave coloridíssima daquela década.

A formação mais duradoura foi Toni Platão (vocal), Flávio Murrah (guitarra e principal compositor), Marcelo Larrosa (baixo) e Álvaro Albuquerque (bateria). Surgido no fim de 1983, o Hojerizah foi considerado durante bom tempo de difícil assimilação pelas gravadoras. Não sem razão. Seu som, primoroso nos arranjos, era mais sofisticado e suas letras bem mais difíceis do que as baboseiras pop de então. Afinal, se a década de 80 produziu Legião, Paralamas, Titãs, Barão, Kid Abelha, Capital, Ira!, Engenheiros, também gerou Dr.Silvana, Absyntho, Grafitte e outras aberrações esquecíveis.

A única música que virou hit nas rádios FM foi 'Pros que Estão em Casa', que tem um sensacional riff inicial de guitarra. Após quase sete anos de estrada, o Hojerizah dissolveu-se, pouco depois de ter sido dispensado pela gravadora. Lançou dois álbuns: o primeiro, homônimo à banda(e cuja capa ilustra este texto) e o segundo, "Pele".

Toni Platão partiu para a carreira solo e vem desenvolvendo um trabalho sólido, um dos mais interessantes atualmente na MPB . O baixista Marcelo Larrosa e o batera Álvaro de Alburquerque formaram a cozinha da banda que acompanhava o ex-Picassos Falsos Humberto Effe. O genial Flávio Murrah encarou uma longa internação para tratamento psquiátrico e em meados da década de 1990 voltou à cena underground, com a Hordha.

A seguir, a letra que me provocou a nostalgia em noite recente.

Pessoas (letra e música de Flávio Murrah)

Pessoas à minha volta
Escravos da mesmice
O cheiro da derrota
Gestos estudados
E o tão pouco parece muito
E o tão pouco parece muito

Caminham em bandos guiados
pelo acorde monocórdico
de uma lei que está oculta,
mas todos obedecem.
E tudo me parece pendente
como um pescoço depois de enforcado.
Pode ser que Deus goste de mim,
mas o demônio é meu próximo

E hoje eu resolvi sentar
numa das pontas da lua minguante
Sente na outra, por favor.
Eu sou o dito mal
Você o bem, o bem, o bem,
acredito que os dois lados existam
como os dois lados de uma moeda
que já não tem valor
que já não tem valor.

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