foto: Klara Wirz
Mia Couto: “Sim, é inseparável. Talvez por deficiência, talvez porque eu não saiba fazer de outro modo. Poesia, para mim, não é algo que apenas se escreva. Mas que se vive. Parece uma “grande” declaração, mas a verdade é que, se não fosse escritor, creio que manteria uma relação poética com o mundo como condição para ser feliz. O meu pai é poeta e, mais do que entre livros, cresci num ambiente em que se valorizavam as pequenas coisas, a descoberta de beleza à moda de Manoel de Barros: brilhos entre cinzas e lixos. Lembro-me de meu pai me conduzir entre as velhas linhas do trem para descobrir pequenas pedrinhas brilhantes tombadas dos vagões de minério. Ao redor havia a guerra colonial, um mundo inteiro que se despedaçava. Mas meu pai se entretinha como um menino a colecionar pedrinhas. Essa foi a minha primeira lição de poesia. Ainda hoje, vivo assim, com olhos na terra ciscando por faíscas de beleza.”
O escritor moçambicano Mia Couto concedeu entrevista ao jornal O Globo, publicada no Segundo Caderno em 8 de março. Nela, o escritor brasileiro Milton Hatoum pergunta a Couto se a poesia é inseparável da prosa. A resposta é uma belíssima demonstração de sensibilidade, sabedoria e delicadeza.
Mia Couto: “Sim, é inseparável. Talvez por deficiência, talvez porque eu não saiba fazer de outro modo. Poesia, para mim, não é algo que apenas se escreva. Mas que se vive. Parece uma “grande” declaração, mas a verdade é que, se não fosse escritor, creio que manteria uma relação poética com o mundo como condição para ser feliz. O meu pai é poeta e, mais do que entre livros, cresci num ambiente em que se valorizavam as pequenas coisas, a descoberta de beleza à moda de Manoel de Barros: brilhos entre cinzas e lixos. Lembro-me de meu pai me conduzir entre as velhas linhas do trem para descobrir pequenas pedrinhas brilhantes tombadas dos vagões de minério. Ao redor havia a guerra colonial, um mundo inteiro que se despedaçava. Mas meu pai se entretinha como um menino a colecionar pedrinhas. Essa foi a minha primeira lição de poesia. Ainda hoje, vivo assim, com olhos na terra ciscando por faíscas de beleza.”
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