Há 40 anos, precisamente às 23h56 do dia 20 de julho de 1969, o astronauta Neil Armstrong disse a celebre frase, que garante ter sido concebida apenas quando descia os degraus da nave para pisar a superfície da Lua: “Esse é um pequeno passo para o homem, mas um salto gigantesco para a Humanidade.”
A Apollo 11 era tripulada por Neil Armstrong, Edwin ‘Buzz’Aldrin e pelo piloto Michael Collins. Hoje, os três têm 79 anos.
Transcrevo a seguir, os principais trechos da ótima reportagem ‘Feitiço da Lua’, de José Meirelles Passos, publicada em O Globo, de 18.07.
“Mas por que, afinal, Armstrong foi o escolhido para a histórica primazia de tomar posse da Lua em nome dos terráqueos? Essa pergunta, que muita gente ainda faz, atormentou Aldrin desde a concepção até a conclusão da viagem. Egocêntrico, ele tentara várias vezes fazer com que a Nasa mudasse de ideia: ele se achava o melhor dos três.
Aldrin caiu em depressão profunda ao voltar da Lua, e mergulhou no alcoolismo durante vários anos, atazanado por algo inaceitável para ele: o eterno rótulo de ‘segundo homem’ a ter pisado lá.
Quando, por fim, se recuperou, acabou se contentando em ter sido pioneiro em duas outras coisas. Presbiteriano, foi o primeiro a comungar na Lua (levara uma hóstia que seu pastor lhe dera para a ocasião). E foi também o primeiro a urinar naquela superfície - como o próprio Aldrin revela num livro que acaba de lançar, sob um título autodescritivo: ‘Desolação magnífica’.
Segundo Chris Kraft, então chefe de operações de voos espaciais em Houston, Armstrong foi escolhido para ser o primeiro a pisar na Lua devido ao seu temperamento reservado. A Nasa sabia que o privilegiado por aquela tarefa teria muito mais do que 15 minutos de fama. E via em Armstrong o astronauta mais bem capacitado do que o extrovertido e temperamental Aldrin, de lidar com a fama - com a qual teria de conviver pelo resto da vida - sem se deixar seduzir por ela e, nesse processo, vir de alguma forma a comprometer a imagem da própria Nasa.
- ‘Neil era Neil. Calmo, calado e de confiança absoluta. Ele não tinha ego algum’.
Collins, o terceiro homem da tripulação, tido até hoje na Nasa como o mais afável e bem humorado daquele trio, se conformou com a sina de ser o principal piloto da Apollo 11, o que implicava chegar muito próximo da Lua, mas sem a invejável chance de pisar nela.
Perguntado, dias atrás, se não se sentira só e abandonado, girando em torno da Lua enquanto o mundo inteiro não tirava os olhos das ações de seus dois colegas em solo lunar, Collins disse que não tinha como negar uma sensação de solidão. Ele, no entanto, fez somente uma queixa, mas bem humorada, em pleno vôo: ‘Sou a única pessoa no mundo inteiro que não está vendo isso tudo na televisão. Por favor, guardem um videoteipe para mim’ – pediu ao coordenador em Houston.
Por alguns momentos Collins tornou-se a pessoa mais solitária do Universo, pois, ao atingir, a outra face do satélite, o chamado lado escuro da Lua, durante as suas circunavegações, ele perdia totalmente a comunicação de rádio com a Terra e com os outros dois astronautas.
Collins, no entanto, garantiu jamais ter se sentido preterido ou menosprezado: ‘Já existem heróis demais e que devem ser reverenciados. Mas não coloquem os astronautas entre eles. Nós fizemos apenas um trabalho para o qual fomos contratados. Eu jamais quis ser o centro das atenções, jamais quis ser uma celebridade.’
Armstrong também sempre cultivou o anonimato, e de uma forma ainda mais intensa do que Collins. Ele não dá entrevistas há mais de uma década. Numa visita ao pai, dois meses antes do lançamento da Apollo 11, ele sequer contou que tinha sido escolhido para ser o primeiro homem a pisar na Lua.
‘O silêncio é a resposta de Neil. A palavra ‘não’ já é, para ele, uma declaração completa’ – disse sua ex-mulher Janet.
No evento comemorativo que celebrará a conquista da Lua, em Washington, Armstrong falará por 15 minutos. Mas já avisou que não responderá perguntas da platéia, nem atendera à imprensa., nem posará para fotos ou dará autógrafos.
O astronauta recusa tais amabilidades com fâs desde que, em 2005, descobriu que o seu barbeiro vendera por US$ 3 mil um chumaço do seu cabelo a um colecionador.
Armstrong viva há décadas em sua pequena fazenda, numa cidadezinha com menos de dez mil habitantes, em Ohio, onde ninguém o incomoda.
Aposentado, Collins às vezes trabalha como consultor espacial. Mas também continua fugindo dos holofotes. Seus dias são tomados por atividades prosaicas: ‘Me ocupo em pescar, nadar, andar de bicicleta, pintar, ler, cozinhar e procurar garrafas de um bom cabernet que custe menos de dez dólares.’
Diante da reclusão de seus colegas, o vaidoso Aldrin, que quatro anos atrás fez uma cirurgia plástica rejuvenescedora, finalmente vem saboreando, nas comemorações do 40º aniversário da conquista da Lua, o papel de protagonista que tanto desejara”.
Achei a matéria interessantíssima por apresentar a dimensão humana dos astronautas. Sua pequenez combinada a sua grande proeza. A competência, a discrição, a depressão, a vaidade, a competição, a inveja, o inconformismo, a reclusão, a humildade, a solidão, a exposição, a necessidade de reconhecimento, o silêncio, a simplicidade, o bom humor, o mau humor. Somos todos assim, pequenos e grandes, sejamos astronautas ou apenas lunáticos.