domingo, 29 de maio de 2011

Indefectível

Florença. Foto: Leandro Wirz


Ela ligou para contar a novidade. Uma colega havia sido demitida. Estava radiante. Não era uma colega. Era a colega. A calipígia. Indefectível. Sim, daquelas em que as mulheres procuram minuciosamente defeitos no vestiário da academia e não acham. (Os homens nem perdem tempo procurando)


- Mas por que ela foi mandada embora?

- Ora, porque o que tinha de bunda tinha de incompetência.

- Ninguém pode ser tão incompetente.

Os homens decretaram luto oficial de três dias.

As mulheres saíram para comemorar bebendo caipivodkas de kiwi.

domingo, 22 de maio de 2011

Sobre fones e poltronas

Subitamente, ela fechou o livro. Quase no mesmo instante, eu fiz o mesmo com o meu, “A segunda vez que te conheci”, de Marcelo Rubens Paiva. Na sequência, meu amigo fechou a revista de bordo. Eu olhei para a desconhecida ao meu lado, agora cúmplice, companheira, solidária, e disse: “Tá difícil.” Ela concordou.


Passou o comissário. Ela lhe pediu um fone de ouvido. “Dois”, disse meu amigo; “Três”, acrescentei. Na fileira ao lado, um casal também pediu o acessório. Naquele momento, alçado a item básico de sobrevivência.

Algumas poltronas atrás, uma criança pentelha (o que é praticamente uma redundância) se esgoelava no choro estridente. Mas não era o pior. Atrás de nós, um cara de Recife e duas garotas de João Pessoa, que haviam acabado de se conhecer, conversavam em volume alto, muito mais alto do que o tom educado que deve ser mantido em locais públicos. E vez ou outra uma delas atentava contra a concordância, “igual qual que nem” alguns livros que o Ministério de Educação compra para os estudantes da rede pública.

Eu sou um sujeito anti-social. Um velho rabugento. Mais rabugento quanto mais velho fico. Mas, santo Deus, por que algumas pessoas precisam conversar com quem está ao lado berrando como se estivessem a quilômetros de distância?! Por que, Deus meu, precisam falar tão alto?! E por que, carajo, precisam falar tanto??!!

Há virtude no silêncio.

Todos os passageiros em um raio de quatro fileiras de poltronas eram obrigados a participar da conversa daqueles jovens. E eu lhes asseguro que os três falaram ininterruptamente, sem pausas sequer para respirar durante todo o vôo entre Salvador e Rio. Eles seguiriam para Buenos Aires. Tive muita pena de quem iria se sentar naquele lugar, depois do meu desembarque no Galeão (Tom Jobim, coitado, não merece ter seu bom nome associado àquele aeroporto). Quando finalmente desci, exclamei apenas: “Puta que pariu!”. Alívio imenso.

Nenhum de nós conseguiu se concentrar na leitura. Era humanamente impossível com a incessante e ruidosa tagarelice dos vizinhos. A solução desesperada foi pedir os fones. A rádio da companhia aérea só funcionava em uma única estação, que, naquela noite, apresentava um especial da cantora Diana Krall, bela representante daquele jazzinho anódino e sem alma, típico de ante-sala de consultório.

Eu desejei poltronas ejetáveis.

domingo, 15 de maio de 2011

Novidade no blog desatualizado

Foto: Leandro Wirz


Eu vim ao mar na esperança de encontrar uma concha, uma estrela do mar caída do céu, um tesouro de pirata do século XVI, uma sereia. Enfim, só coisas prováveis. Como Atlântida. Ou um post novo. Esperança vã, óbvio, porque só quem posta aqui sou eu. E mesmo minha combalida memória tem consciência que há semanas não escrevo nada. Falta de inspiração, cansaço em excesso, sei lá, mil coisas.

Eu vim ao mar tirar as teias de aranha. E as garrafas pet e os sofás velhos aqui jogados.

Eu vim ao mar me enganar, aumentando os page views no contador do Google Analytics.

Eu vim ao mar em busca, quem sabe, de um comentário novo para algum texto antigo.

Mas achei uma surpresa. Eu não costumo gostar tanto assim de surpresas. Sou virginiano, lembram-se? E não acredito em astrologia. Mas esta surpresa, que é constante para si mesma, é boa pra mim. Cruzou o Atlântico e veio dar nesta praia, onde vivem e morrem textos desatualizados. Uma nova seguidora, a de número 80. Pode ser pouco para vocês, mas cada carinha nova que surge me alegra.

Não a conheço. Felizmente. Sem querer ofender nem à ela, nem a meus amigos. É que vibro mais quando sou lido por quem não me conhece. Assim, tenho certeza de que a motivação para integrar o heterogêneo e belo cardume que habita este mar, não se deve à gentileza da amizade.

A novidade quem traz é o leitor.

Obrigado, moça. Tô aqui na beira d’água, nesta ensolarada manhã de domingo. Eu vim ao mar contemplar, porque acredito quando o Nando Reis canta “a gente que enfrenta o mal, quando a gente fica em frente ao mar, a gente se sente melhor”.