- Roma?
- Sim... respondeu ela, curiosa.
- Paris.
- Não entendi.
- Seu nome é Roma, ouvi quando sua amiga te chamou. O meu é
Paris.
- Esqueça Paris.
Ela
disse, já se virando.
- OK, que tal então, Nero?
Ela riu, sem se virar
de volta. Prossegui.
- Sério, meu nome é Paris. É meio ridículo, eu sei, e o pior
é que de uns tempos para cá tenho que aguentar as piadinhas com o sobrenome
Hilton.
- Hum...
- Meu nome é Paris, porque sou o quinto filho e como veio de
novo um varão, frustrando meus pais que queriam uma menina, me deram este nome.
Meus irmãos são Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan...
- Hahahahaha. Quer dizer que você é Paris, porque acabaram
os mosqueteiros?!
Quando ela se virou, eu pude ver a explosão daquele riso.
- Sim, você está diante do quinto mosqueteiro. Sou um
personagem inédito.
- Ah, quer dizer que vão escrever um romance inspirado em
você? Ela disse, com ironia.
- Na verdade, gosto eu mesmo de escrever minha história. Mas
prefiro textos a quatro mãos.
Ela corou, sorriu e
desviou o rosto um pouco para baixo.
- Mas e você, por que o seu nome é Roma? Seus pais curtiam
anagramas?
- Pois é, sou o próprio amor. Ou seu avesso.
- Opa, terei cuidado...
E riram sonoramente
- Falando sério, nada demais. Meus pais achavam que era um
nome forte, curto e fácil. Mas é claro que sempre faz lembrar da cidade e de
que todos os caminhos levam à ela.
- Ou a você... Especialmente sua luz. A luz de Roma na
primavera é extraordinária.
- Você conhece?
- Sim, estive lá algumas vezes. Você conhece Paris?
- Hã-hã. Você é fotógrafo?
- Por que a pergunta? Você é modelo?
- Não, é que você falou em luz...
- Apenas um amador. Mas não saio de casa sem uma câmera.
Foto é momento. A gente nunca sabe quando vai surgir uma oportunidade....
- Você tem essa mesma filosofia quando se trata de pessoas?
- Claro que sim. Você é bem esperta.
- Conheço tipos como você.
- É possível. Existem outras pessoas que não desperdiçam
chances. E você é uma mulher de que tipo?
- Do tipo que sabe o que quer. E quando quer.
- Decidida.
- Exatamente.
- Isso é bom. Admiro mulheres assim. Posso te convidar para
um café, aqui mesmo na livraria?
- Um cappuccino.
- É coerente. Italianíssima.
...
- Então, vc veio para a noite de autógrafos?
- Sim, leio todos os livros dele. Ele me deu aulas na
faculdade.
- Você fez o quê?
- Jornalismo. PUC. Você?
- Design de interiores.
- Legal, acho muito interessante. Não sou profundo
conhecedor, mas gosto de tudo que se relaciona à estética, ao belo...
- E à funcionalidade...
- Sim, também.
Sou
virginiano. Super pragmático.
- Ah, não me diga que você se liga em astrologia?
- Você curte?
- Claro que não, acho uma bobagem.
- Na verdade, eu só gosto de brincar com os estereótipos
ligados aos signos. Os virginianos são sempre vistos como metódicos e chatos.
- E você, claro, não se considera um chato...
- Hum, eventualmente, como todo mundo. Acho que tenho níveis
toleráveis de chatice, mas prefiro que você avalie.
- Eu sou insuportável
todos os dias.
Mas só até às 10 da
manhã.
Depois, me transformo nessa
pessoa incrível.
- E modesta.
- Eu adoro o meu trabalho. Gosto de decifrar meus clientes e
tentar traduzir sua personalidade em suas casas. Tem um pouco de psicologia
nisso...
- Sem dúvida. Deve ser muito bacana ver como seu trabalho
mexe na vida das pessoas. Ele tem um resultado muito prático, muito visível.
- Sim, é estimulante transformar um ambiente, ou levantar um
do nada e dar a ele uma cara, uma alma.
E observar como isso mexe com as pessoas. Salva até casamentos.
- Salvou o seu?
- Como sabe que fui casada?
- Não sabia. Arrisquei.
- Não, a decoração não salvou meu casamento. O problema não
era de interiores.
- Como assim?
- O problema foi externo. Uma vaca siliconada...
- Hahahahaha. Mas e agora, sem ressentimentos?
- Sim, sofri pra caramba na época, mas agora acho que ela me
fez um favor. Estou bem assim. E você?
- Eu também já fui casado.
- Teve filhos?
- Não.
- Separado há muito tempo?
- Dois anos.
- Tempo para frequentar muitas noites de autógrafos.
- Sem dúvida. É o tipo de evento em que a gente pode
encontrar alguém interessante, não acha?
- Você disse que é jornalista...
- Sim, mantenho uma coluna online e um blog. Onde comento
generalidades, um pouco de literatura, de música, cultura pop. Enfim, coisas
que não transformam a vida de ninguém, nem salvam casamentos.
- E o que salva um casamento?
Ele, na verdade, pensou em responder “sexo”. Mas achou
melhor que seria uma abordagem incisiva demais naquele momento.
- Talvez nada tenha tamanho poder.
- Instituição falida? – ela continuou.
- Como instituição, talvez. Mas não como relacionamento.
Continuo a crer na possibilidade de relacionamentos duradouros e saudáveis.
- E felizes?
- Sim, felicidade é possível.
- E o que é felicidade?
- Pergunta com múltiplas respostas, algumas bem clichês,
nenhuma satisfaz plenamente. Gosto muito da definição de um amigo terapeuta:
“Felicidade é suportar o inesperado”.
- Boa! Felicidade para mim é uma coletânea de momentos.
- Alguns deles vividos em uma livraria.
- É, pode ser. E inesperados. Ela sorriu, com a malícia
desenhada no contorno dos lábios e bebeu mais um gole do café.
...
- Você gosta de cinema?
- Sim, gosto.
- Eu adoro. Vou toda semana.
- Eu também, vou praticamente toda semana.
- O que você gosta?
Comédias românticas?
- Também, mas não faço o gênero mulherzinha.
Não vejo só filmes água-com-açúcar.
- Eu gosto de muita coisa, menos filmes de terror.
- Não me diga que tem medo.
- Medo? Quem? Eu? Claro que sim. Mas eu adoro filmes de
suspense, policiais, serial-killers...
- Hum, suspeito. Devo temer que você seja um psicopata?
- Não, claro que não. Eu também gosto de comédias
românticas.
- Faz o gênero sensível?
- Funciona, às vezes...
- Eu não sou ligada em filmes muito cabeça, aquela coisa de
intelectuais vestidos de preto na sessão da meia-noite de uma mostra...
- de cinema iraniano.
- Isso! Nem pensar. Tô fora.
- Eu também. Não tenho mais saco para essa pretensão
intelectual. Achei que você fosse cinéfila. Quando nos apresentamos, você ia me
dispensando com uma frase de Humphrey Bogart em Casablanca, um clássico...
- Quem disse que eu ainda não te dispensei?
- A borra do café.
- Hahahahaha, lá vem você de novo com crendices.
- Eu também não acredito nisso. Estava brincando.
- No que você acredita?
- Que nós vamos ao cinema neste final de semana.
- É um convite?