sábado, 30 de abril de 2011

E que sejam felizes

Antes mesmo do casamento de William e Kate começar eu já não aguentava mais ouvir falar dele. Saturado por sua presença quase unânime na mídia (exceção foi o jornal The Guardian, que ofereceu uma versão alternativa do seu site na qual ignora solenemente qualquer notícia sobre o casamento e, assim, suscita questões interessantes sobre decisões editoriais).


Pelo Facebook, pelas ruas e no escritório, me deparei com centenas de comentários sobre o vestido da noiva e das convidadas, o cabelo, a tiara, a maquiagem, o buquê, os brincos e mais um longo etc de detalhes que, claro, só as mulheres reparam.

Honestamente, eu não estou lá muito interessado no casamento real da monarquia britânica. Acho também que as pessoas não estão interessadas em casamentos reais, mas sim em casamentos de fantasia. Contos de fada. Ilusões.

Vi mulheres maduras envolvidas pelo casamento a tal ponto que pareciam adolescentes românticas em quartos ainda cor de rosa. É impressionante como a educação que recebemos em casa, os filmes, os livros, as telenovelas, as canções, a publicidade, tudo isso nos catequiza em mitos e contos cinderelescos de “príncipe encantado”, “amor da minha vida”, “felizes para sempre”.

A única coisa que me interessou no casamento, além de algum eventual decote das convidadas, foi o Aston Martin azul conversível no qual o casal partiu para sua lua-de-mel. Carrinho vintage maneiríssimo.

Pensando bem, não são só as meninas que continuam as mesmas...


sexta-feira, 22 de abril de 2011

Cabeludo



O irreconhecível aí da foto soy yo. Há uns 20 e poucos anos. Quando eu ainda tinha cabelo, que chegou ao meio das costas, e a barba não era grisalha.


Quando era adolescente, assisti com dois amigos e uma prima ao filme “Hair”, lançado em 1979. Foi um desbunde, fiquei chapado, outra forma de ver o mundo. Comprei o vinil com a maravilhosa trilha e fita em VHS. Depois, devidamente atualizados para CD e DVD. Nas décadas seguintes, perdi as contas de quantas vezes assisti ao filme. Umas trinta, eu acho.

Flertei com o ideário e a estética hippies. Isso, claro, antes dos 20 anos e de ceder ao capitalismo, o pior sistema econômico que a humanidade desenvolveu, fora todos os outros. Virei até publicitário.

“Hair”, fiel retrato de uma época, é datado. E ingênuo. Fascinante apologia do pacifismo, do desapego, do amor livre e das drogas como forma de expansão da consciência. Todas possibilidades que deram errado. Continuamos guerreando feroz e estupidamente por aí, pelas razões econômicas e étnicas de sempre; consumimos freneticamente; longe de ser moralista, mas ninguém segurou a onda do amor livre, porque posse, ciúmes, desejos de exclusividade, ainda que equivocados, estão em todos nós, em maior ou menor grau, e a única relação com chance de dar certo no longo prazo tem sido a boa e velha relação a dois (a Aids nos anos 80 também foi um freio nessa suruba deliciosa); e as tais portas da percepção abertas pelas drogas são uma falácia: a violência e as perdas causadas pela então glamourizada cocaína yuppie nos anos 80 e 90 e, especialmente o crack, já neste século, destituíram as drogas de qualquer charme e as reduziram à sua real dimensão destrutiva.

Ainda assim, apesar de (ou justamente por) ser tão naif, “Hair” continua encantando em seu discurso dionisíaco, embalado pelas músicas compostas por MacDermot, com letras de Ragni e Rado.

O filme deriva, com adaptações, do musical encenado nos EUA e aqui mesmo no Brasil no iniciozinho dos anos 1970 em montagens polêmicas e marcantes.

Em 2009, passamos meu aniversário em Nova York e, sabedora da minha relação emocional com “Hair”, minha mulher me deu de presente os ingressos para assistirmos à montagem na Broadway. Eu rejuvenesci vinte anos, fiquei felicíssimo, vendo toda aquela celebração. “Hair” é isso, essencialmente, uma celebração. Obrigado, de novo.

Ontem, fomos assistir à elogiadíssima nova montagem brasileira, da dupla mestre dos musicais, Charles Muller e Cláudio Botelho. A peça está em cartaz há quase um ano e encerra temporada carioca no final deste mês. Não sei porque demorei tanto para assistir. Receio da sensação de déja vú, talvez. Conheço a história de trás para frente, sei diálogos de cor, sou capaz de cantar desafinadamente todas as músicas. Mas estava curioso para, pela primeira vez, ouvir as letras em português.

E, novamente, foi bom demais. “Hair” segue arrebatador, incólume ao tempo. Excelentes versões das letras, elenco, cenário, figurinos, banda ao vivo. Acho que, mesmo calvo, eu nunca vou perder meu cabelo.

domingo, 17 de abril de 2011

360 graus

Foto: Leandro Wirz


A semana foi pauleira e eu não tive tempo de escrever sobre o show do U2 no Morumbi, ao qual assisti no domingo passado.


Eu já havia assistido aos shows das turnês “Pop Mart”, no desorganizadíssimo show no Autódromo do Rio em 1998, e “Vertigo”, no próprio Morumbi, em São Paulo, 2006. U2 é sempre maravilhoso. Desta vez, na turnê 360º, não foi diferente. Entraram no palco, misto de aranha, catedral e nave espacial, ao som da execução mecânica de Space Oddity, de David Bowie, e abriram com “Even better than the real thing”. Daí até o fim, foi even better than the best dream.

Antes, tocou o Muse, em show quase heavy metal, muito bom, e com o mérito de ter começado britanicamente no horário marcado. Pontualidade é respeito. Muita gente no estádio não conhecia a banda e eles abriram mão de tocar sua versão do clássico “Can’t take my eyes off you”, de Frankie Valli, que poderia gerar identificação com o público. E, pena, não tocaram a ótima “Undisclosed desires”, talvez por terem priorizado um repertório mais pesado, para aquecer a massa para o U2.

Música de boa qualidade à parte, chamou a atenção o transtorno que o show causou na cidade. No hotel em que fiquei, no Ibirapuera, filas grandes para check-in de quem foi ao show no domingo e check-out de quem havia assistido no sábado. No entorno do estádio, com suas ruas estreitas, engarrafamento e estacionamento a R$ 140. Na rua. Com flanelinha.

À saída do estádio, taxistas cobravam entre R$ 100 e R$ 150 para levar ao hotel. Nada de taxímetro. Na segunda-feira, no aeroporto de Congonhas, as filas para o check-in e para o embarque eram imensas, dando voltas e voltas. Todos os paulistanos eram unânimes em dizer que tudo estava assim por causa do show.

Eu saí do Rio para encontrar amigos de Brasília e irmos juntos ao show. Perto de nós uma galera de Fortaleza e uma turma de Belo Horizonte. Todos em São Paulo só para o U2. Era de se esperar.

Então, como pode um evento para, no máximo, 90 mil pessoas, causar tanto transtorno na maior cidade do Brasil? Como temos a pretensão de organizar Copa do Mundo e Olimpíadas?! Se só com um show, fica evidente que não temos infraestrutura, nem serviços de qualidade a oferecer?

Outro ponto é o milagre da multiplicação dos ingressos. Eu fiquei pendurado na internet todas as madrugadas em que as vendas eram iniciadas. Não consegui comprar ingressos, que se esgotaram, invariavelmente em menos de duas horas. Foi assim com Madonna, com U2 e com Paul McCartney. No entanto, conforme se aproximam as datas dos shows, os ingressos reaparecem na mão de cambistas, empresas patrocinadoras e agências de turismo. Daí, eu consegui comprar.

Tenho certeza de que o Leandro Wirz ou José da Silva, cidadãos comuns, não vamos conseguir comprar ingressos para a Copa ou os Jogos Olímpicos. Afinal, além dos cambistas, patrocinadores e agências, teremos também os vereadores, deputados, senadores e ministros que irão querer suas cotas. E as celebridades, claro. Espero queimar a minha língua e, em 2014 e 16 , conseguir comprar um ingressozinho que seja. Não tenho problema em encarar fila ou passar a madrugada na internet tentando.

Finalmente pararam de dizer que o Brasil é o país do futuro. Até o Baminha, jogando pra plateia no Teatro Municipal do Rio, disse que somos o país do presente. Mas continuamos como no passado, um país deseducado e corrupto. Com infraestrutura vergonhosamente precária e obras atrasadas e superfaturadas. O Japão estará reconstruído antes que terminemos um único estádio para a Copa.

Este texto era sobre música e acabou político. O U2 também é assim.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Credo

“Respeite os seus desejos: o menor desejo de um homem deve ser atendido o mais depressa possível. Ouviram bem, meninas?


Melhor se arrepender de ter feito: diante de uma dúvida, não fazer é uma atitude do século XIX. Chama-se cautela. Uma atitude careta, por assim dizer.

Liberdade: não há nada que um homem deseje mais e não há nada de que ele tenha mais medo. Um homem é responsável por todos os seus atos.

Terminar tudo aquilo começa: é o segredo, que ninguém nos ouça, da produtividade e, portanto, da riqueza. Somente terminando o que você começou é que você vê se era uma merda ou uma maravilha.

Livre-se da culpa: ninguém pode te culpar de nada. De ser vagabundo, galinha, egoísta ou mal comportado. Você é inocente. Inocente por ausência de uma intenção culposa.

Viva cada dia como se fosse o último: não é ficar pensando na morte. É prezar a vida. Saber de todos os prazeres que ela pode dar e aproveitá-los gulosamente.

Tudo é sexo: esqueça a pornografia. É o mito de que é possível trepar indiferentemente. Se existe algo na vida que desperta sentimentos modificadores, isto é o sexo.

Um homem deve ser maior do que o seu sofrimento: o importante é amar a vida. O mundo é uma beleza. Se eu não tivesse o mundo dentro de mim, eu ficaria cego quando abrisse os olhos.”


Estes são os oito mandamentos do dramaturgo Domingos de Oliveira, publicados hoje no jornal O Globo.

Domingos é o meu pastor e nada me faltará.

sábado, 9 de abril de 2011

Então você quer ser escritor?


Há um par de semanas, me deparei com um livro inevitável: “Então você quer ser escritor?”, contos do paranaense Miguel Sanchez Neto. O título é desafiador, provocativo e, em uma rápida folheada, me certifico que não se trata de volume de dicas e fórmulas inúteis para quem quer brincar de ser escritor.


Sim, eu quero ser escritor. Respondo ao chamado do mundo. Ou do meu mundo. Todo escritor tem mais vida interior do que vida real. Eu quis ser cantor de rock, mas cresci e envelheci, sem a dignidade e a capacidade de continuar a ser ridículo. Eu quis ser ator, mas tive receio e preguiça. Bailarino era a quarta escolha, porque não há uso mais belo e consciente do corpo, mas nunca tive o menor talento para a dança. Sim, eu quero ser escritor, opção terceira em meu rol da infância. (Se é que é opção, visto que para muitos é maldição, um embrenhar-se na solidão).

Li, certa vez, em crônica de Arthur Dapieve, que todo homem de caráter tem suas obsessões. Sobre o caráter podem pairar dúvidas, mas entre minhas obsessões inequívocas estão árvores desfolhadas, galhos secos. Como se fosse sempre inverno ou estivesse no cerrado. Não bastasse o título, então, a capa do livro também era igualmente irrecusável, com a imagem de árvores que parecem emergir (ou estão semi-afogadas) em águas paradas. Peças mortas de resistência vã.

Aproveitei viagens a trabalho durante esta semana para ler no avião que, em alguns trechos, sacudiu não mais que um carro sobre o asfalto vergonhosamente esburacado do Rio.

O livro é de fatias da vida. Personagens sem nobreza, sem grandiosidade em recortes que tangenciam o banal, mas ocultam profundidade, como, talvez, as raízes das árvores da capa. Na maioria das vezes, sem grand finale.

Mas ao final do último conto, que dá título à coletânea, parecia que tinha levado um soco. Um soco bom, se é que isso é possível. Faltou ar e a primeira palavra que me ocorreu foi: estupendo.

Durante a leitura deste conto, pensei muito em um escritor, paranaense como o autor, que tem sido, há década e meia, uma referência para mim. Um homem que me ensinou muito sobre literatura e sobre a vida. Um grande amigo, um irmão mais velho, uma espécie de pai (no bom sentido da palavra). Valeu, Bwana!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Em vôo

Foto: Leandro Wirz


Tive um dia cansativo e por isso, na viagem de volta, quando passa o serviço de bordo, peço à aeromoça, loura de sorriso artificial e corpo de Barbie, apenas uma cerveja e amendoim. Não me queixo, para a maioria, é muito pior. Uma das moças à minha frente reclama com a colega que, em três anos, só conseguiu quinze dias de férias e que um mês inteiro longe do trabalho é completamente fora de questão. Outro diz ao amigo que está indo ao Rio às 16h e pretende voltar a São Paulo ainda no vôo das 21h.


Minha poltrona é a do corredor, sempre prefiro. Agora deram para cobrar adicional por aquelas cadeiras junto às saídas de emergência, que têm mais espaço para acomodar as pernas. A turma do marketing inventou que são assentos comfort. Com preço plus, claro.

O vôo tem muitos estrangeiros, dois grupos de franceses e americanos. Não vêm a passeio. Business trip. Um dos americanos diz, ironicamente: “we’re clearly in the wrong plane”, queixando-se do apertadíssimo espaço entre as poltronas.

Na outra fileira, um brucutu, com caneta e um monte de papéis no bolso da camisa de manga curta, ronca altíssimo. Ninguém merece. Minha mulher diz que às vezes faço o mesmo. Não acredito. Ela fala isso só quando está na TPM.

Ao meu lado um casal mais idoso e elegante. Ele começou a ler um livro, mas adormeceu logo. Ela folheia a Vogue. Ele veste calça cáqui, camisa azul clara com gravata marinho e blazer clássico, marinho com botões dourados. Ela, um terninho azul marinho, com lenço de seda no pescoço. Bolsa Gucci, bagagem de mão Louis Vuitton, tudo original. Ele pousa serenamente a mão sobre a perna dela. Quando acorda, ela carinhosamente lhe ajeita os cabelos brancos. Acho comovente a intimidade e o afeto entre eles, after all.

Isolada na primeira fileira viaja a veterana atriz a quem as rugas dignas inviabilizam novos papéis de protagonista em telenovelas. Ela conserva ares de quem não perde a majestade. Pura ilusão.

“Tripulação, preparar para o pouso”. Acabei a cerveja.

sábado, 2 de abril de 2011

Cão de capa

                                                                        Reef


Nosso cachorro tem pêlos longos. Daí que quando chove, a gente bota uma capa nele na hora de passear. Porque com qualquer tempo lá fora, ele tem que sair para as necessidades. Detesto frescuras em cachorros, fico envergonhado de sair com ele encapado, embora as mulheres digam “ai, que fofo!”. Referindo-se a ele, claro. E fofo é uma das piores coisas que uma mulher pode dizer de um homem.


A capa se justifica porque mesmo com todo amor e fidelidade canina (falo da minha para com ele), murrinha de cachorro molhado não dá. Enfim, não é a única ocasião em que me sinto meio ridículo, então vamos em frente, rua após rua.

Nessas noites chuvosas, o que me incomoda mesmo são os sem-teto preparando suas camas de papelão e usando cobertores de plástico e trapos. Certa vez, uma dessas pessoas disse-nos: “Pô, esse aí tá melhor que eu.”

Incomodou muito o fato de ele ter razão. Menos pela capa e mais pelo cão ter um lar amoroso e o cara da rua não.