O Rio de Janeiro cabe num ônibus. A princípio, pode parecer que isso não tem o menor cabimento. Mas eu explico.
Costumo ir à praia de bicicleta. Mas no último sábado, como tinha um almoço pós-praia e não teria onde guardar minha bike, encarei o 157, Central-Gávea.
De cara, peguei o ônibus errado. O que não tem graça nenhuma nem quando é de graça, ainda mais quando custa R$ 2,50. Enquanto sacolejava, espremido entre trocentos e cinquenta e três passageiros, à mercê da direção dolosa do motorista, percebi que o ar-condicionado não dava vazão, óbvio. Todos fechados ali, bufando no cangote alheio, criávamos um ambiente no mínimo insalubre. Eu deveria ter pego o 157 sem ar-condicionado, mas de janelas abertas. Nesse caso, o clássico slogan da empresa dedetizadora – “É um pouco mais caro, ah, mas é muito melhor”, não se aplica.
O ônibus estava cheio de estudantes do tradicional Colégio Santo Inácio, saindo da aula matutina de sábado, jovens dourados indo à praia e elas – Fatinha e Vanessa.
Se você tem um fiapo de curiosidade deve estar se perguntando quem são Fatinha e Vanessa. Mas antes, eu preciso contar sobre a moradora da Lagoa.
Uma senhora sentada lá na frente do ônibus resolve descer em seu ponto. Lá vem ela, tentando ser tão gentil quanto é possível a uma pessoa que carrega três sacolas em um ônibus lotado. Esbarrando em todos, ela se desculpa: - “Gente, eu preciso descer, eu não posso mudar de casa”.
Fatinha e Vanessa tornaram meu calvário naquele busão suportável. Muito antes de chegar ao meu ponto, eu já estava completamente entretido pela conversa delas e do amigo Adailton, cujo nome elas invariavelmente pronunciavam sem a consoante final.
Os traseiros de Fatinha e Vanessa, condensados em justíssimos shorts jeans, não fariam feio num baile funk e aposto que não fizeram no Terreirão do Samba, onde haviam passado a noite anterior bebendo cerveja até às 6h. Por conta do exagero etílico da madrugada, Fatinha garantia que naquele sábado só “beberia muito líquido”.
No ônibus elas estavam aflitas para encontrar o “broco” carnavalesco que, conforme prometido pelo Adailto, desfilaria ali na Lagoa. Traziam uns tabuleiros de madeira e mochilas cheias, de forma que deduzi que venderiam alguma coisa aos foliões da Zona Sul.
O que me fez mesmo debruçar de modo invasivo sobre as duas e sua conversa foi a história da amiga Cristiane.
Cristiane havia comido, em um churrasco na laje oferecido por uma rival amorosa, um espetinho de coração. Foi tiro e queda. No dia seguinte, amanheceu paralisada das pernas. O namorado, pivô da desavença, chegou a sentir um aperto no peito e alertar: não coma isso. Mas os olhos de Cristiane foram maiores do que a barriga e ela acreditara nas boas intenções da outra.
Vanessa vaticinou: “Foi macumba do mal.” E Fatinha, malandra escolada, completou: “É por isso que eu não como nada que me oferecem. Eu, hem, sei lá!”
Levaram Cristiane a um centro espírita na tentativa de reverter aquele trabalho terrível. Mas não adiantou. Ela continuou a definhar e agora já não fala coisa com coisa. Fatinha nem gosta mais de visitá-la. Ver essas coisas lhe parte o coração.
Àquela altura, eu viajava, não naquele ônibus, mas na idéia de que o Rio, metonimicamente, estava todo ali: o carnaval de rua, o samba no Terreirão, a cerveja, as ambulantes, os alunos da escola de bacanas, os moradores da Zona Sul, as louras e as negras, a religiosidade, a praia, o calor, a pouca roupa, a descontração. Faltou o futebol, mas esse, literalmente, não anda bem das pernas.
Enfim, Fatinha e Vanessa avistaram, pela janela do coletivo, os playboys, as gatinhas, os vendedores de cerveja. E levantaram, nada discretas, gritando ao motorista:
- “Ô coisinha, pára aí pra mim descer, olha o broco!!”