domingo, 27 de fevereiro de 2011

Bravura do cisne



Bailarino é uma das profissões que eu gostaria de ter tido. E gostar de balé foi um dos motivos pelos quais fui assistir a Cisne Negro. Mas não é um filme sobre balé. A dança é pretexto e contexto para falar de emoções, limites, disciplina, obsessão, repressão, estímulo, competição, coaching, frustração, moral, sexo, transformação, amadurecimento.


Cisne Negro é sufocante, surpreendente, soturno, arrebatador e incomodativo. Ou seja, é muito bom. Fica difícil distinguir exatamente realidade e o que é o turbilhão de pensamentos e sentimentos que consomem a protagonista. Há exagero na escatologia de algumas cenas, desnecessárias. Por outro lado, há momentos sublimes, como a cena em que Natalie Portman se permite e dança o lado negro do cisne de forma selvagem e apaixonante. Sou homem e não fujo à regra. Linda é também a cena lésbica entre Natalie e a sensualíssima Mila Kunis (e lingus - já pedindo perdão pelo trocadilho que li em uma revista, e não pude evitar reproduzir).

Vi o filme como uma ode à emoção, ao deixar-se levar por elas. A perfeição requer a imperfeição, a impureza. Ao final, cabem reflexões e a indagação provocadora que meu amigo psicanalista Marcus Quintaes fez via Facebook: ‎"Quem em você se chama Cisne Negro"?

(...silêncio...)

(pigarro) Mudando de assunto, em Bravura Indômita, remake do clássico western em que John Wayne interpretou o papel que agora Jeff Bridges defende, também é um bom filme. Mas confesso que não consegui enxergar méritos para as dez indicações ao Oscar que recebeu.

Já Natalie Portman é barbada para levar para casa a estatueta de melhor atriz na premiação desta noite.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Homem de visão

Copacabana é um bairro chacoalhado de turistas, todos sabem. Ainda mais nesta época do ano quando multidões chegam em busca de belas paisagens, diversão, sexo e desse sol hostil.


Eu caminhava pela orla tentando impressionar nórdicas desavisadas com minha camiseta autopromocional, onde se lê “Cariocas do it better”. Não que eu venda, alugue ou faça leasing do meu corpo, até porque já estou meio gasto. Mas, enfim, ainda dou minhas cacetadas, como se diz em linguagem chula.

Até que me deparei com um senhor sentado com uma placa pendurada no peito, onde estava escrito em português-english: “I’m blind and diabetic. Please help me”. Ou seja, esmolante bilíngue, usando o indefectível apelo emocional. Aceita real, dólar, euro, peso, yen e em breve, muito em breve, presumo que Visa, Mastercard e Amex.

É dele o prêmio Marketing Best.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O restaurador

Eu estava na esquina com meu cachorro, quando ele parou de procurar algo no lixo e puxou conversa:


“ – Esse cachorro é aquele que ajuda cego? Outro dia eu estava na Central, onde fui vender latinha, e achei uma filhote de Yorkshire pequeninha, ela estava comendo as coisas do chão, do lixo. Eu catei ela, mas , no momento, não estou em condições de criar. Eu dei banho nela, levei ao veterinário, gastei uma grana. Daí eu estava andando no Largo do Machado e uma senhora olhou para a cachorrinha, gostou dela. Eu dei pra ela. Ela perguntou como se chamava. Eu dei o nome de Tarsila. Sabe por quê, Tarsila? Tarsila do Amaral, a pintora. Eu sou pintor, sou restaurador de igrejas. Ela perguntou porque eu estou nessa vida. Eu falei que é coisa de família, briga por dinheiro. Meu irmão é dono de cooperativa de vans, eu quero que ele cuide dos táxis e das vans e fique lá com o dinheiro dele. Eu sou dependente químico, eu sou alcoólatra. Estou em tratamento em uma clínica lá em Botafogo. Outro dia eu fui ao convento, onde tem quadro meu, onde restaurei a igreja. A irmã me chamou para entrar, eu falei que só vou entrar quando estiver bom. Um dia você vai escutar toda a minha história. Prazer em te conhecer. As pessoas, na rua, às vezes a gente não dá nada por elas.”

O cachorro ajuda este cego que sou. O homem me restaura.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

lisergia de sexta

quatro pessoas falando ao mesmo tempo agora:



- minha filha me perguntou se pode usar uma fantasia de barriga de fora no Carnaval. Eu disse que não fica bem, porque ela está com uma barriguinha. Fica o dia inteiro no computador.

- que maldade, ela tem vinte anos.

- ela disse: "mas, mãe, eu só peso cinqüenta e dois quilos".

- e quanto ela tem de altura?

-1,63m.

- então, ela está ótima! eu não acredito que ela tenha barriguinha.

- eu não acredito que eu tenha barriga.

- mas você é homem, sua barriguinha é charme.

- ah, me poupe, né? a gente tem barriga e chamam a gente de bucho. homem tem barriga e é charme?!

- a gente depila, menstrua, tem que ter o corpo perfeito, a vida é muito injusta com as mulheres.

- na próxima encarnação, eu quero vir planta.

- panda?! panda não, eles quase não trepam, são praticamente assexuados, não se interessam pela coisa.

- os pandas devem ser cocoons.



eu juro que estávamos todos sóbrios. é que sextas-feiras são, por natureza, dias lisérgicos.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Todo mundo espera

Ela veste short jeans e regata branca. O que quase sempre é bem sexy. Bolsa paraguaia pequena Luiz Vittão. Cinto fino com estampa de oncinha. Que se repete no sutiã parcialmente revelado pela transparência.


É baixa. Bem baixinha. Mas disfarça com saltos altos que servem também para empinar a bunda. Tem o corpo bem feito. Está inteira. Quarenta e vários, talvez mais. Cabelos pintados de louro, unhas com esmalte vermelho.

Está à minha frente na fila do caixa de uma popular loja de departamentos. Vai pagar em dinheiro o único item de sua compra.

R$ 7,90. Calcinha fio dental preta.

Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Amor & Outras Drogas


Fui assistir a “Amor & Outras Drogas” (título ótimo) vestindo uma camiseta com a minha lista de favoritas: alcohol, nicotine, caffeine. Amor é hors-concours.


É uma história de amor bacana entre duas pessoas que evitavam relacionamentos mais sérios e preferiam sexo casual. Ela, porque tinha Parkinson precoce e a doença lhe anunciava dias sombrios. Ela tinha consciência de que a doença degenerativa iria gradualmente impossibilitar uma vida satisfatória junto ao companheiro. Ele, porque era uma daqueles sujeitos que pega uma, pega geral. O cara é expert na matéria. No filme, prestem atenção na estratégia do nome errado.

O final é previsível, mas quem disse que final feliz é ruim? Além do mais, às vezes acontece de a gente esbarrar em alguém na vida que muda nossa trajetória. Aconteceu comigo há pouco mais de cinco anos. Mais precisamente em dezembro de 2005, num chopp despretensioso em Laranjeiras. Mas isso é outra história.

Jake Gyllenhaal (de “O segredo de Brokeback Mountain”) e Anne Hathaway (de “O diabo veste Prada”) defendem bem seus papéis, há química entre o casal. 

Para além do romance, há um retrato interessante da indústria farmacêutica (o personagem de Jake é representante comercial) em sua inescrupulosa busca para persuadir, raramente de forma ética, os médicos a prescreverem os remédios que cada laboratório desenvolveu. O filme foca nos anti-depressivos e, depois, na explosão de vendas e lucros provocada pela milagrosa pílula azul que resolve o “mais sério” problema masculino.

Por sinal, numa dessas festinhas sexualmente animadas para agradar médicos, um deles relata o desencanto com a profissão: como atender bem, se atende a 50 pacientes por dia? Os planos de saúde forçando o jogo para pagar cada vez menos por consulta ou procedimento. Os laboratórios oferecendo “mimos” para que eles receitem o remédio que querem. Os escritórios de advocacia sobre eles como abutres esperando para processá-los ao primeiro erro médico. Não é para sentir pena do doutor, não, mas ele é bem realista.

Enfim, “Amor & Outras Drogas” não é bad trip. Dá uma onda legal. E com pipoca e Coca-cola não causa ressaca no dia seguinte.