quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O mundo é péssimo


No Brasil para inaugurar a exposição “A Consistência dos sonhos” e lançar o livro “A viagem do elefante” (Cia das Letras), o escritor José Saramago falou à imprensa no Consulado de Portugal em São Paulo, na tarde de 25 de novembro:

“Não sou pessimista, o mundo é que é péssimo. Nessa longa história da humanidade, em que ponto tomamos uma direção errada que nos levou ao desastre que estamos hoje, do qual somos responsáveis? A literatura pode salvar o mundo? Mas salvar o mundo como? Principalmente depois de tudo o que já se escreveu. Como não conseguimos mudar o rumo de nossas vidas?

Quantos delinqüentes existem no mundo? A violência já atingiu o nível da barbárie. A corrupção chegou a tal ponto que é um problema de linguagem. A palavra bondade hoje significa qualquer coisa de ridículo. É preciso conquistar, triunfar. Ninguém se arrisca a dizer que seu objetivo é ser bom. Querer ser bom em uma época como esta é se apresentar como voluntário para a eliminação. Como chegamos a isso? Para mudarmos a vida, é preciso mudarmos de vida”.

Colhi estas declarações no site do jornal O Globo, em matéria assinada pela jornalista Márcia Abos.

E as palavras de Saramago me fizeram pensar em outras tantas. Também tenho muito mais perguntas do que respostas, e as perguntas talvez nem sejam as certas. Em que ponto tomamos uma direção errada? Acho que foi logo na primeira curva do percurso. Se a fábula bíblica diz que Caim matou o irmão Abel, então somos todos filhos de Caim, o irmão mau. Lendas a parte, há uma cena no filme “Hannah e suas irmãs”, de Woody Allen, em que a personagem questiona como a humanidade foi capaz de produzir uma barbárie como o holocausto dos judeus. Seu interlocutor, mais vivido e amargo, retruca que sendo os homens como são, o que causa perplexidade é só termos cometido isto uma vez. A gente não é flor que se cheire.

Não, não creio que a literatura possa salvar o mundo. Nenhuma arte tem esse poder. No prefácio de “O retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde escreve que “o artista é o criador de coisas belas. A única coisa que salva o artista é a beleza de sua arte. Toda arte é completamente inútil”.

Renato Russo fez um acurado retrato de sua geração nas canções que compôs. Ao final de “Há tempos”, ele canta: “Meu amor, disciplina é liberdade, compaixão é fortaleza, ter bondade é ter coragem. Lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa”. E assim o poeta se apresenta, seja à eliminação, seja à aceitação. Mas seja qual for a consequência, permanece dignamente em pé. Água e consciência limpas. Mesmo no fundo.

Finalmente, lembrei de Millôr Fernandes, genial em seus aforismos irônicos: “O otimista é um pessimista mal informado”.

Então, estou aqui contribuindo para o pessimismo generalizado.

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