terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O restaurador

Eu estava na esquina com meu cachorro, quando ele parou de procurar algo no lixo e puxou conversa:


“ – Esse cachorro é aquele que ajuda cego? Outro dia eu estava na Central, onde fui vender latinha, e achei uma filhote de Yorkshire pequeninha, ela estava comendo as coisas do chão, do lixo. Eu catei ela, mas , no momento, não estou em condições de criar. Eu dei banho nela, levei ao veterinário, gastei uma grana. Daí eu estava andando no Largo do Machado e uma senhora olhou para a cachorrinha, gostou dela. Eu dei pra ela. Ela perguntou como se chamava. Eu dei o nome de Tarsila. Sabe por quê, Tarsila? Tarsila do Amaral, a pintora. Eu sou pintor, sou restaurador de igrejas. Ela perguntou porque eu estou nessa vida. Eu falei que é coisa de família, briga por dinheiro. Meu irmão é dono de cooperativa de vans, eu quero que ele cuide dos táxis e das vans e fique lá com o dinheiro dele. Eu sou dependente químico, eu sou alcoólatra. Estou em tratamento em uma clínica lá em Botafogo. Outro dia eu fui ao convento, onde tem quadro meu, onde restaurei a igreja. A irmã me chamou para entrar, eu falei que só vou entrar quando estiver bom. Um dia você vai escutar toda a minha história. Prazer em te conhecer. As pessoas, na rua, às vezes a gente não dá nada por elas.”

O cachorro ajuda este cego que sou. O homem me restaura.

Um comentário:

Celso Cavalcanti disse...

Leandro, realmente esses "loucos esfarrapados" que a gente vê na rua frequentemente têm muito a ensinar. Uma vez cruzei com um, em Goiás, que escrevia sua vida inteira, em prosa e verso, num caderno escolar. Dava um filme...