Subitamente, ela fechou o livro. Quase no mesmo instante, eu fiz o mesmo com o meu, “A segunda vez que te conheci”, de Marcelo Rubens Paiva. Na sequência, meu amigo fechou a revista de bordo. Eu olhei para a desconhecida ao meu lado, agora cúmplice, companheira, solidária, e disse: “Tá difícil.” Ela concordou.
Passou o comissário. Ela lhe pediu um fone de ouvido. “Dois”, disse meu amigo; “Três”, acrescentei. Na fileira ao lado, um casal também pediu o acessório. Naquele momento, alçado a item básico de sobrevivência.
Algumas poltronas atrás, uma criança pentelha (o que é praticamente uma redundância) se esgoelava no choro estridente. Mas não era o pior. Atrás de nós, um cara de Recife e duas garotas de João Pessoa, que haviam acabado de se conhecer, conversavam em volume alto, muito mais alto do que o tom educado que deve ser mantido em locais públicos. E vez ou outra uma delas atentava contra a concordância, “igual qual que nem” alguns livros que o Ministério de Educação compra para os estudantes da rede pública.
Eu sou um sujeito anti-social. Um velho rabugento. Mais rabugento quanto mais velho fico. Mas, santo Deus, por que algumas pessoas precisam conversar com quem está ao lado berrando como se estivessem a quilômetros de distância?! Por que, Deus meu, precisam falar tão alto?! E por que,
carajo, precisam falar tanto??!!
Há virtude no silêncio.
Todos os passageiros em um raio de quatro fileiras de poltronas eram obrigados a participar da conversa daqueles jovens. E eu lhes asseguro que os três falaram ininterruptamente, sem pausas sequer para respirar durante todo o vôo entre Salvador e Rio. Eles seguiriam para Buenos Aires. Tive muita pena de quem iria se sentar naquele lugar, depois do meu desembarque no Galeão (Tom Jobim, coitado, não merece ter seu bom nome associado àquele aeroporto). Quando finalmente desci, exclamei apenas: “Puta que pariu!”. Alívio imenso.
Nenhum de nós conseguiu se concentrar na leitura. Era humanamente impossível com a incessante e ruidosa tagarelice dos vizinhos. A solução desesperada foi pedir os fones. A rádio da companhia aérea só funcionava em uma única estação, que, naquela noite, apresentava um especial da cantora Diana Krall, bela representante daquele jazzinho anódino e sem alma, típico de ante-sala de consultório.
Eu desejei poltronas ejetáveis.