Não posso dizer que nasci de ventre tricolor porque minha mãe não chega a ser torcedora, mas apenas simpatizante do Fluminense. Mas posso afirmar que fui criado no seio de uma família tricolor.
Meu tio se aplicava com dedicação à minha catequese, a de meu irmão mais velho e de nossos primos. Levava-nos ao Maracanã, comprava camisa do time, fazia a nossa cabeça. Deu certo com os outros. Mas, contrariando o ditado, quem sai aos seus às vezes degenera, sim.
Ou se regenera. Eis a história da minha conversão. Corria o ano de 1977 e eu estava na terceira série do ensino fundamental, com oito ou nove anos. Vivia intensamente meu primeiro e – pensava eu – definitivo amor pela Bianca, uma morena de coxas grossas e nariz empinado a quem eu seguia na escola. E por quem, claro, eu era sumariamente desprezado.
Certo dia, eclodiu na hora do recreio uma briga generalizada entre meninos torcedores do Vasco e do Flamengo, rixa que, a princípio, não me dizia respeito.
Até que Bianca gritou “Mengo!”
Imediatamente, entrei na briga ao lado dos flamenguistas, tomado de súbita e inflamada coragem. Irremediável paixão. Ali, me converti. Ou virei casaca, como diziam meus detratores. Pouco me importa. Vocês sabem, é como diz a letra do hino: “uma vez Flamengo, sempre Flamengo”.
Pude então testemunhar, já como torcedor fanático mirim, o antológico gol de cabeça de Rondinelli (o “deus da raça”) contra o Vasco na decisão de 1978 e anos gloriosos do melhor Flamengo que já existiu, com um time inesquecível, naquele final da década de 1970 e início da de 1980: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico.
Mesmo depois do meu ato heróico, Bianca continuou a me ignorar e a paixão passou – sempre passa. Há poucos anos, tive breve contato com ela via redes sociais, mas ela jamais soube dessa história. E do quanto foi, de forma inusitada, importante na minha vida.
Desde então, tem sido assim. Eu sou obra das minhas mulheres.
Toda essa conversa é para dizer que, honrando as origens, estou torcendo para o Fluminense ser campeão brasileiro no próximo domingo. Fui tricolor quando criancinha. Considerando que o Flamengo está fora do páreo , talvez até eu conseguisse torcer pelo Botafogo, mas só porque minha mulher é botafoguense (pois é, nem ela é perfeita). Mas torcer pelo Vasco, jamais! Seria contra a minha religião.
Video de estréia! | 13anosdepois
Há 9 anos