foto: Leandro Wirz
Eu trabalho em um prédio modernoso de gosto arquitetônico pra lá de
duvidoso. Desses com vidros espelhados.
Volta e meia, ouvimos um baque surdo contra a inquebrantável vidraça. E
é menos um pássaro no mundo.
Na condição quase marginal de fumante, eu estava lá embaixo fazendo fumaça e olhando o movimento da rua
quando um passarinho se chocou contra o prédio. Caiu bem perto de mim.
Caído meio de lado, permaneceu por instantes com a cabeça
enfiada no chão e a asa esquerda aberta.
Como se sentisse aquela dor aguda de quem leva um chute no saco. (Não
sei qual seria exatamente o equivalente feminino para a dor de um chute no
saco. Então, mulheres, perdoem a minha ignorância e imaginem a dor mais intensa
que podem sentir). Saca aquela cena manjada de jogador de futebol valorizando a falta que levou? Rosto chafurdado na grama, expressão de choro, mão no local onde levou a pancada e o outro braço erguido chamando atendimento médico e maca? Pois é. O passarinho era bom nisso. Mas não estava encenando.
Aos poucos, foi recolhendo a asa, tirando a cabeça do chão e
pondo-se em pé. Ou em patas. Evacuou. Perdoem a escatologia, mas foi o
susto. Então, dirigiu os olhos para o
prédio gigante diante de si e foi levantando gradualmente o pescoço até o limite,
tentando entender em seu minúsculo cérebro que porra era aquela que parecia céu
azul, mas era um aríete.
E ficou ali alguns minutos, atordoado. Longos minutos.
Até que um homem se aproximou dele, na intenção de ajudá-lo.
Assustou-se, porque já sabe que humanos
- e agora, também prédios envidraçados – são uma ameaça. Felizmente, abriu
asas e saiu voando ligeiro na direção oposta ao edifício assassino.
Na hora do almoço, em trágica coincidência, me deparei com
outro passarinho tombado na calçada, em frente ao colosso impassível. Este não
teve a mesma sorte.
Fiquei pensando, não em leões, mas em quantos pássaros
matamos por dia. Pássaros enganados por ilusões de céu com seus voos violentamente
interrompidos. E como será à noite, quando os vidros se tornam espelho negro e
opaco? Onde era céu, súbito é muro.
ps.: Este texto é dedicado à querida Selma Pereira que, ao me
ouvir contar esta história, pediu que eu a escrevesse.