foto: operamundi/UOL
No domingo em que seu time de coração, o Corinthians,
sagrou-se campeão brasileiro de 2011, morreu Sócrates Brasileiro Sampaio de
Souza Vieira de Oliveira, o “Doutor” ou o “Magrão”, em decorrência de doenças
hepáticas causadas pelo alcoolismo. Tinha 57 anos.
Para apresentar o ex-jogador, tomo emprestadas palavras de
José Miguel Wisnik, extraídas da crônica “Sócrates Brasileiro”, publicada no
jornal O Globo em 10.12.2011:
“Sócrates pertenceu a uma geração de jogadores brilhantes e
excepcionalmente pensantes, sob a égide de Telê Santana, como Zico, Júnior e
Falcão. Nada das numerologias regressivas e supersticiosas de Zagallo, do
academicismo abstrato de Parreira, da cabeça dura de Dunga, nesse período feliz
de uma derrota (Nota: a da Copa de 1982)
que só honra a nossa memória. Entre eles, Sócrates é o que se jogou na vida,
inconformado por ela não ser melhor, mas apaixonado por ela. A alegria e a
liberdade eram para ele a prova dos nove para se jogar bem. Elas tinham a ver
com a integridade de quem o faz. E, pare ele, eram inseparáveis dos prazeres
que dão sentido a tudo. Um custo fatal, em forma da doença provocada pelo
álcool, ele não negou em nenhum momento, sem a menor intenção de apagar seus
próprios passos.”
Graduado em medicina, cidadão politizado, um dos alicerces
da então revolucionária Democracia Corintiana, Sócrates era um craque com a
bola nos pés. Com corpo desproporcional (mais de 1,90m e pés tamanho 38),
Sócrates, que gostava de beber e fumar, nunca teve fôlego nem físico de atleta.
Compensava com inteligência, visão de jogo e habilidade, como nos toques
precisos de calcanhar que ajudaram a torná-lo célebre, a desconcertar
adversários e a driblar o tempo despendido para girar o corpo antes de tocar a
bola.
Este texto não pretende enaltecer suas qualidades como
jogador de futebol e cidadão, embora reconhecê-lo também por isso fosse justo e
necessário. Quero registrar sua coragem. Médico e esclarecido, sempre teve
plena consciência dos malefícios causados pela bebida e pelo cigarro. E aqui também não se trata de romancear o
alcoolismo ou o tabagismo, sabidamente danosos à saúde. Pouco antes de morrer, em entrevista ao canal
SporTV, Sócrates declarou:
“Arrependimentos? De jeito nenhum! Eu vivi intensamente quase 60 anos.
Como eu poderia viver careta?”
Sócrates morreu como viveu. Corajosamente. Sem apelar para
lamúrias e conversões de última hora, tão comuns quando a coisa aperta e a
morte se avizinha. Eu admiro gente assim.
Sócrates fez suas escolhas e não existem certas ou erradas. Cada escolha
implica uma renúncia. Todas trazem ganhos e perdas. É muito mais nobre e digno
do que, diante do medo, borrar-se nas calças e apelar de forma oportunista pra
deus ou por outra chance. Arrepender-se pode ser tão fácil e covarde. Quando
chegar a minha hora, eu também quero ter a hombridade de morrer em pé.
Consciente do que fiz e das conseqüências das minhas escolhas. Sou responsável até por minhas
irresponsabilidades. “Os prazeres dão sentido a tudo.”