sábado, 30 de junho de 2012

Onde era céu

foto: Leandro Wirz



Eu trabalho em um prédio modernoso de gosto arquitetônico pra lá de duvidoso. Desses com vidros espelhados.  Volta e meia, ouvimos um baque surdo contra a inquebrantável vidraça. E é menos um pássaro no mundo.

Na condição quase marginal de fumante, eu estava lá embaixo  fazendo fumaça e olhando o movimento da rua quando um passarinho se chocou contra o prédio. Caiu bem perto de mim.

Caído meio de lado, permaneceu por instantes com a cabeça enfiada no chão e a asa esquerda aberta.  Como se sentisse aquela dor aguda de quem leva um chute no saco. (Não sei qual seria exatamente o equivalente feminino para a dor de um chute no saco. Então, mulheres, perdoem a minha ignorância e imaginem a dor mais intensa que podem sentir). Saca aquela cena manjada de jogador de futebol valorizando a falta que levou? Rosto chafurdado na grama, expressão de choro, mão no local onde levou a pancada e o outro braço erguido chamando atendimento médico e maca? Pois é. O passarinho era bom nisso. Mas não estava encenando.

Aos poucos, foi recolhendo a asa, tirando a cabeça do chão e pondo-se em pé. Ou em patas. Evacuou. Perdoem a escatologia, mas foi o susto.  Então, dirigiu os olhos para o prédio gigante diante de si e foi levantando gradualmente o pescoço até o limite, tentando entender em seu minúsculo cérebro que porra era aquela que parecia céu azul, mas era um aríete.

E ficou ali alguns minutos, atordoado. Longos minutos.

Até que um homem se aproximou dele, na intenção de ajudá-lo. Assustou-se, porque já sabe que humanos  - e agora, também prédios envidraçados – são uma ameaça. Felizmente, abriu asas e saiu voando ligeiro na direção oposta ao edifício assassino.

Na hora do almoço, em trágica coincidência, me deparei com outro passarinho tombado na calçada, em frente ao colosso impassível. Este não teve a mesma sorte.

Fiquei pensando, não em leões, mas em quantos pássaros matamos por dia. Pássaros enganados por ilusões de céu com seus voos violentamente interrompidos. E como será à noite, quando os vidros se tornam espelho negro e opaco? Onde era céu, súbito é muro.





ps.: Este texto é dedicado à querida Selma Pereira que, ao me ouvir contar esta história, pediu que eu a escrevesse.

E o vento...




Alguém reproduziu no Facebook este gráfico que ranqueia os dez livros mais lidos de todos os tempos. Não me dei ao trabalho de checar a fonte primária ou a seriedade da apuração estatística. Se ela não for verdadeira, é, ao menos, verossímil.

Em primeiro lugar, disparado, está a Bíblia.  Sagrada para católicos e evangélicos. Em segundo, socorro, está o  livro do Mao Tsé-Tung. Afinal, foi – ainda é? - leitura obrigatória para bilhões de chineses.  Depois, vêm, pela ordem: Harry Potter; O Senhor dos Anéis; O Alquimista, de Paulo Coelho;  O Código Da Vinci; a saga Crepúsculo; E o Vento Levou...; um tal de Think and Grow Rich (o povo todo quer enricar, né?); e O Diário de Anne Frank, que provavelmente preferiria não ter passado pelo sofrimento que a fez escrever aquelas páginas.

Salvo honrosa exceção, fica evidente que a quantidade de exemplares vendidos/lidos não guarda nenhuma relação com a qualidade literária das obras. De modo geral, eu achei a lista compreensível, porém lamentável. E o vento poderia levá-la embora...