domingo, 28 de março de 2010

O assombro

Foto: Leandro Wirz


Uma das minhas rabugices é não dar papo para estranhos. Odeio que puxem conversa comigo numa fila ou num táxi, por exemplo. Sou um sujeito anti-social.


Se assim evito chatos, também é verdade que desperdiço oportunidades. Coisa que minha amiga S., sempre disposta a ouvir os outros, não perde.

S. ouviu interessada a história do taxista, já um senhor quase idoso, sobre sua rotina de chegar em casa todos os dias no início da noite e encontrar sua esposa, sempre a lhe esperar, cheirosa e arrumada, fazendo tricô na cadeira da varanda de sua casa em uma rua tranquila do subúrbio.

Sua esposa não trabalhava fora de casa, então depois dos afazeres domésticos, banhava-se e perfumava-se para receber o marido carinhosamente. Ele apontava essa afetuosa rotina como uma das razões para a longevidade do seu casamento.

Até que num final de tarde, ao voltar para casa, encontrou a esposa esperando por ele como sempre fizera, na mesma cadeira, entre agulhas e novelos. No entanto, ela não lhe sorriu. Pensou que ela havia cochilado. Ao se aproximar, viu que ela havia morrido ali. Coração.

Então, o taxista disse para minha amiga: “Nunca ninguém me ensinou isso. Mas a minha lição de vida é viver como um bebê.”

- “Como assim?!”, indagou S., sempre curiosa e questionadora.

- “Eu vivo cada dia, não como se fosse o último, mas como se fosse o primeiro. Minha mulher me esperava todas as noites na mesma cadeira na varanda de nossa casa. E a cada vez para mim era como se tivesse o impacto da primeira vez em que fez isso. A senhora está vendo o mar ali?” – o táxi seguia pela Av.Atlântica – “Pois é, a gente vê o mar todo dia, se acostuma com ele. Mas a gente deveria olhar para ele como um bebê olha, como quem está vendo cada coisa pela primeira vez...”

Quando ouvi essa história, me lembrei que vi o poeta Ferreira Gullar contar que, certa noite, ao sair da casa da namorada, deparou-se com uma flor linda no canteiro. E daquele súbito espanto diante da beleza da flor, aparentemente banal, emergiram emoções e a inspiração para um poema.

Penso que a poesia está no assombro. Naquilo que nos espanta e comove. A poesia da vida não está, necessariamente, na novidade. O que nos toca transcende o tempo. E é sempre novo.

terça-feira, 23 de março de 2010

O fusca na foto (com direito a cacófato)

Meu carro fetiche sempre foi o Maverick. Entre os importados, segue imbatível o Mustang Shelby GT 500.

Ok, eu assisti na Sessão da Tarde, às aventuras de Herbie, o fusca com número 53 de “Se meu fusca falasse”, mas nunca tive paixão pelo carro. Apertado para mim, que tenho 1,90 m, pouco veloz, sem ar-condicionado e desconfortável demais para fazer sexo dentro. Além disso, foi pegando carona num Fusca cor de café com leite que, aos 16 anos, eu sofri um acidente e levei 57 pontos na lateral do rosto e na cabeça. Portanto, nenhuma boa memória afetiva.

No entanto, ao me deparar há uns meses com as fotos de Fusca que a Usha Velasco faz e publica no blog Uma Outra Brasília, me deu inexplicável vontade de clicar fuscas, fusquinhas, fucas, fuquetas.

Comecei uma série. Veja lá no http://www.galeriawirz.blogspot.com/

domingo, 21 de março de 2010

Fórmula Senna



Se vivo, Ayrton Senna faria 50 anos hoje.

Nem Fangio, nem Prost, nem Piquet, nem Schumacher.

Ayrton Senna foi o melhor piloto da história da Fórmula 1.

O velho coração louco


Falando em inferno e retorno, fui assistir a “Crazy Heart” (“Coração Louco”), filme pelo qual Jeff Bridges ganhou o Oscar de melhor ator neste ano. Justo. O filme é Jeff Bridges, sem desmerecer a atuação de Maggie Gyllenhaal e os auxílios luxuosos de Robert Duvall e Collin Farrell. Bridges faz bem o papel do talentoso desajustado, com jeitão de looser. Impossível não lembrar de “Suzie e os Baker Boys”, filme de 1989, em que Bridges interpreta um pianista num trio com Michelle Pfeiffer e seu irmão Beau Bridges.


“Crazy Heart” é a história fictícia de Bad Blake, cantor country decadente, alcoólatra e falido aos 57 anos. Blake roda de cidade em cidade com sua pick up velha tocando em espeluncas e faturando, com a antiga fama e o relativo charme, mulheres locais. “Eu sou Bad e serei Bad até o fim. Minha lápide saberá o meu nome verdadeiro.”

Sua chance de sair do próprio atoleiro surge quando conhece uma jornalista iniciante, que o entrevista (M.Gyllenhaal). Perguntado de onde vem a inspiração para suas composições, ele responde, displicente e certeiro: “Da vida, infelizmente”. R.Duvall faz o papel do dono do bar, seu único amigo, e C.Farrell interpreta, sem convencer muito, o astro de country music Tommy Sweet, que teve em Blake o seu mentor.

Com a atuação magistral de Jeff Bridges, acendendo um cigarro no outro entre doses de uísque, e uma trilha sonora deliciosa para quem – como eu - curte o estilo, o filme é bom de assistir, embora algumas questões sejam solucionadas muito facilmente e lhe falte um clímax.

Talvez por sua ausência de grandiosidade o filme seja tão realista.

Vai acabando o verão...

 Porta de oficina de motos em Botafogo, Rio. Foto: Leandro Wirz


Lembra na década de 80 quando Marina Lima cantava “Vem chegando o verão...”? Pois é, sempre me soou como praga. Como aquela irritante sinfonia das cigarras anunciando que vem mais calor.

Pois é, o verão acabou. Menos um. E este foi de lascar! Foi quando o Rio descobriu que é a segunda cidade mais quente do mundo, perdendo apenas para uma infeliz lá em Gana.

Outono é minha estação favorita.

Embora, na real, aqui no Rio só existam duas estações: quente como o inferno e mais quente que o inferno.

Falo isso porque já estive lá.

E foi por amor.

Ou por falta de.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Garoto esperto

Na volta da escola, a mãe zelosa conversa com o menino A., de 5 anos. Pergunta sobre os amiguinhos e se, neste ano, ele já tem uma namoradinha entre as colegas de turma. O menino A responde que está namorando a menina B.

E, em seguida emenda: “Eu e o menino C.”, para espanto da mãe!

Ela aconselha: “Filho, você tem que botar o menino C. para correr e ficar com a menina B. só para você.”

O menino A corrije: “Não, mamãe, na escola a gente aprende a dividir as coisas.”

Eu sinceramente acho que o menino A é dotado de extraordinária e precoce inteligência emocional.

E fico pensando qual seria a reação da mãe da menina B. quando ela lhe contar que namora o menino A. e o menino C.

Enquanto isso, no iPod, Britney Spears canta “One, Two, Three, Peter, Paul and Mary”.

domingo, 14 de março de 2010

Escritores são formigas


Há algumas semanas, um amigo de Brasília, jornalista e professor, tuitou que estava gostando da profissão que escolhera: “aspirante a escritor”. Desde então, a questão que andava adormecida, voltou a me rondar.


O que nos faz deixar de ser aspirantes e nos torna, de fato, escritores? Qual é o critério, onde está a linha de corte?

Escrever bem? É um critério questionável, muito ligado à subjetividade. Claro que há uma gigantesca distância entre saber escrever (os alfabetizados o sabem) e escrever bem. Mas será que é essa competência que nos define? Existem maus escritores profissionais? Penso que sim e alguns são best-sellers.

É ter publicado? Só vale se for em livro? E, sendo livro, tem que ter editora e distribuição nacional? Vale independente? Eu publiquei cinco livros de poesia entre 1987 e 2005, e um monte de crônicas e poemas na internet. Sou autor. Meus livros estão no registro da Biblioteca Nacional. Mas você não vai achá-los à venda em livrarias. O que é um alívio, considerando alguns textos que lamento ter cometido.

Meu amigo, o “Aspira” que trouxe a questão à tona no mar de coisa, escreveu dois romances integralmente publicados na internet, onde também publica ensaios regularmente. Outra amiga, blogueira em Paris, escreve ótimos textos e deseja um dia lançar um livro. Será que é o objeto livro, com seus estímulos sensoriais e sua concretude, que nos faz escritores? Somos menos escritores porque nossos textos vagam em páginas virtuais? Mas a internet tem um alcance potencial maior do que um livro...

Viver financeiramente de literatura? Pode ser, me parece o mais forte dos critérios. Mas ainda assim é injusto. Poucos são os que conseguem viver exclusivamente de literatura. Muitos escritores, mesmo famosos e vendendo bem, têm outras profissões ou empregos. João Cabral era diplomata; Drummond, funcionário público; Vinicius, expulso do Itamaraty, ganhava dinheiro mesmo era com a música. E certamente a literatura nunca foi a principal fonte de renda do “Sir Ney” do Maranhão. Outros grandes escritores pagam as contas da casa lecionando em universidades e dando palestras e oficinas. Há ainda os que mantêm colunas em jornais, e isto também é uma forma de viver de literatura. Não, não desprezemos o valor das crônicas, nos ensinaram Machado de Assis, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Veríssimo e outros.

Penso que o pudor que temos em nos assumir escritores esteja ligado aos critérios que levantei, mas há também algum ranço de “marginalidade” na atividade literária, traço comum com outras atividades ligadas às artes e aos esportes. Somente nesses campos, há os aspirantes, os amadores. Não existem engenheiros, médicos ou advogados amadores. E os aspirantes são aqueles que muito claramente estão cursando a graduação.

Como nesta história, o escritor não tem dinheiro para pagar a conta do analista ou para contratar um mordomo, a culpa vai recair sobre La Fontaine. Sim, ele. Que no século XVII, na França, atualizou fábulas gregas de Esopo. A fábula da formiga trabalhadora e da cigarra artista ferrou com a gente. Aliás, La Fontaine pode se dedicar à literatura porque tinha mecenas.



Cobrindo as vergonhas

Em um dado momento do passado, querendo afirmar identidade, tatuei (e não tuitei) a palavra “poeta”. Uns dois anos depois, arrependido de tamanha exposição, cobri a palavra com um desenho maori em formato de escudo que protege boa parte das minhas costas.

“Poeta bom, meu bem, poeta morto”, cantou Zeca Baleiro.

sábado, 13 de março de 2010

Pluto que os pariu



Li uma notícia que informava estar prevista para hoje uma manifestação nas ruas de Seattle (EUA) reivindicando que Plutão seja reclassificado como planeta pela União Astrônomica Internacioal (IAU, na sigla em ingês).


UAU! São uns lunáticos! Ou melhor, uns plutos desocupados, né não?

Desde que, em 2006, o planeta foi “rebaixado” oficialmente à categoria de planeta-anão (este é o nome da categoria. Anões do mundo, uni-vos!) a turma que acredita em astrologia e tinha Plutão como planeta regente anda desorientada, meio fora de órbita, vagando sem rumo pelas galáxias.

Na verdade, Plutão só virou Plutinho para os astrônomos. Os astrólogos continuam achando o pequeno o máximo e mantém seu lugar nos mapas astrais.

Plutão (Pluto é o nome internacional, que inspirou Walt Disney a batizar o cachorro estabanado do Mickey) virou planeta em 13 de março de 1930, quando foi descoberto pelo astrônomo americano Clyde W. Tombaugh. Até então presumia-se a existência dele, chamado de “Planeta X”. Mas não era da Xuxa. Mas bem que pode ser do Eike Batista que, segundo a lista divulgada pela Forbes nesta semana, é dono da 8ª fortuna mais astronômica do mundo e tem a excentricidade de acrescentar a letra X, que representa a multiplicação, ao nome de todas as suas empresas.

Enfim, chega de viajar pelo espaço. Eu me solidarizo com os siderados manifestantes da chuvosa Seattle, mas só porque lá é a terra natal do grunge, que nos anos 1990 gerou Pearl Jam, Nirvana, Soundgarden, Alice in Chains, Temple of the dog, entre outras ótimas bandas.

É isso. Pluto pra presidente!





Em tempo: Li a matéria que inspirou este texto em http://oglobo.globo.com/blogs/sociencia/posts/2010/03/12/aniversario-de-anao-273654.asp.
De lá, trouxe informações e a imagem, não creditada ao autor.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Opostos


O que beber esta noite? Calma ou agito?

Envelheci


Impossível negar que envelheci. Os sinais são evidentes. No carnaval do ano passado, a gatinha me disse: “lindo o seu cachorro, senhor”. Foi um tapa na cara. “Senhor de _u é _ôla!” eu deveria ter-lhe respondido, com a sutileza que me é peculiar.


Na praia, as promotoras de shortinho não me entregam mais flyers para as raves. Passam batidas por mim e procuram carne (mais) nova. E olha que não sou grisalho. Nem sou tão calvo. E, com um pouco de condescendência, posso dizer que não sou tão barrigudo assim. Sou até um tiozão moderninho com minha meia dúzia de tattoos, a bermuda de surfista e a bike.

Mas a mudança não está só nos olhos dos outros. Há poucas semanas, tirei das orelhas as argolas que me acompanhavam desde os 15 anos. De uma hora para outra, rápido desse jeito, parecia que sobravam ali.

Os joelhos de peladeiro doem às vezes e o fígado protesta firmemente quando eu penso que ainda tenho 20 anos e bebo como se tivesse.

Está claro para mim que mudei. Envelheci. Sou um senhor. A gatinha do carnaval estava certa com sua verdade crua e cruel.

Domingo, 14 de março, tem show do Guns ‘n’ Roses na Apoteose, no Rio. Eu não vou. Para essa mesma noite, comprei ingressos para assistir, com minha mulher e minha mãe, ao musical “A gaiola das loucas”.

Enlouqueci? Não. Envelheci. Mas mantive a noção. Ao contrário do Axl Rose e do Sebastian Bach – lembram? Do Skid Row – que é quem fará o show de abertura. Guns ‘n’ loucas.





ps 1.: Assisti ao show do Guns em 1991. Acho que foi na hora certa.

ps 2.: Na foto acima sou eu mesmo. Em 1991.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Lady Rouge

Um amigo antenado deu o bizu no Facebook. E eu trouxe para este mar de coisa.

A atriz francesa Marion Cotillard, garota propaganda da marca Dior, interpreta uma cantora no novo filme da grife. Produção com classe, estilo e excelente trilha sonora.

No filme, Marion é Lady Rouge e canta “Eyes of Mars”, música do quarteto escocês Franz Ferdinand.

Marion se destacou ao fazer o papel da cantora Edith Piaf, no filme “Piaf – Um hino ao amor”. Recentemente, ela esteve no longa “Nine”.

terça-feira, 9 de março de 2010

Cheia de dedos


Como homenagem tardia mas não falha ao Dia Internacional das Mulheres ( foi ontem, eu sei, mas não se ofendam, vocês também se atrasam à beça.), eis o anúncio da Du Loren para a data. Um protesto contra uma série de males e mazelas.

Obviamente, em função do dedo em riste da moça, o anúncio não vai ser publicado em muitos veículos. É só para marcar posição. Além disso, caso publicado, é restrição do Conar na certa.

O uso do baixo calão gestual me faz lembrar um outro caso. Há alguns anos, a Fiat veiculou um anúncio de sua pick-up Strada no formato página dupla em uma revista especializada em surf . Na imagem, havia um grande chaveiro com macacão de neoprene, no qual lia-se "Ligue o foda-se".

Bem, o anúncio podia ser inadequado. Mas o conselho permanece atual.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Puritana


Já que o filme com a Paris Hilton teve a veiculação suspensa pelo Conar, a Devassa lançou outro, no qual Paris só aparece no final, no momento da "assinatura",  e a  pin-up que faz parte do rótulo da cerveja está, ironicamente, coberta por uma tarja preta.  Muito bom.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Fiel a Du Loren

Eu sou fã das campanhas da Du Loren. A ponto de, durante muito tempo, colecioná-las. Vício de publicitário, eu mantenho um bom acervo de anúncios, que, aliás, preciso ter tempo e saco para digitalizar.

Quase sempre controversas, as campanhas rendiam bons e acalorados debates nas aulas de Ética e Legislação Publicitária. Provocadoras, compravam o risco ao abordar temas como aborto, homossexualidade, casamento gay, transexualismo, e tratar a sexualidade feminina de uma forma despudorada e libertária. Criativos, ora engraçados, ora agressivos, ora grosseiros. Claro, nem sempre acertavam, mas a ousadia costuma ser, por si só, meritória.

A Du Loren sabe disso. Tanto que mantém em seu site um acervo das campanhas ditas inesquecíveis, de 1999 para cá. http://www.duloren.com.br/campanhas/index.php O único defeito é que a visualização é pequena, o que dificulta ou mesmo impede a leitura dos textos. Ah, e a música é meio chata. Mas vale a visita ao "museu" de boas campanhas da marca.


Eu recomendo também você não pular a intro do site, que já diz a que a empresa veio. Meia luz, música ambiente, mulher de lingerie – e, maravilha e ápice da incorreção política, fumante! – anda pela tela, enquanto ao fundo outras três dançam coreografias sensuais. O texto é “Eu acredito em sexo e champagne. Mulheres amo. Homens uso. Muito prazer, meu nome é Madame D.”

Saiu na coluna do Joaquim Ferreira dos Santos que, a partir de pesquisa feita com 400 mulheres da classe A e B, que apontou que 75% delas já traíram seus maridos ou namorados, a Du Loren lança em breve a campanha “Só Jesus é fiel.”

A campanha conseguirá o milagre de unir católicos e evangélicos, irmanados em reações indignadas. Mais uma para o Conar, que conhece – e tem trabalho – com a Du Loren há muito tempo. Aleluia!